Selvino Heck*
Em 12 de outubro, passado o primeiro turno, li texto do hoje professor e escritor renomado Luís Augusto Fischer, que conheci nos anos 1970 no colégio São João em Porto Alegre, quando militamos juntos no CETA, Centro de Treinamento para a Ação, Pastoral da Juventude. Depois, final dos anos 1970, início dos 1980, fomos ambos professores do Colégio Anchieta. Fischer escreveu no seu Parêntese, ´MEUS VOTOS´, em 12.10.24: “Minha primeira ida à urna ocorreu em 1976, eu com 18 anos estava, votando em Porto Alegre. Meu voto foi para o Marcos Klassmann, candidatura do então MDB da resistência contra a ditadura. Voto em papel, com certificado de eleitor em papel, uns veinhos de bairro cuidado da urna, eu trabalhando de 2º Mesário, algo assim. A contagem era feita na mesa. Um tempo estranho, visto de agora.
Marcos Klassmann foi eleito, com seus flamantes 23 anos – e foi cassado pela ditadura assim que fez seu primeiro discurso na tribuna, dias depois da posse. Solidário com ele, Glênio Peres fez discurso criticando a cassação do colega e igualmente foi cassado, sem pena. Era ainda o poder do maldito AI-5.”
Uma semana depois do segundo turno, com a reeleição de Sebastião Melo m Porto Alegre, do mesmo MDB dos vereadores cassados Marcos Klassmann e Glênio Peres em 1977, as análises dos resultados da eleição estão por todos os lados, para se tentar entender o que aconteceu ou está acontecendo.
Os próximos tempos serão difíceis, com certeza. A direita e a ultra direita, entre os quais se encontra hoje, infelizmente o MDB, foram vitoriosos eleitoralmente e estão consolidando seu espaço político, seus valores e sua visão de Brasil e de mundo.
Vale, em 2024, lembrar, com saudade e emoção, de Marcos Klassmann e Glênio Peres e sua luta pela democracia. Fui pesquisar nos meus inúmeros guardados, sobre os quais, aliás, Luís Augusto Fischer vive me cobrando que os organize e escreva algo como uma autobiografia. Descobri o seguinte, revirando dezenas de caixas e (re)achando trocentos documentos, textos e escritos antigos.
Achei a “Homenagem a Marcos Klassmann no aniversário de sua cassação pela ditadura militar (Por Selvino Heck)”, publicada no Blog de Luiz Muller, relembrando, entre outras coisas, que meu voto em 1976, como o do Fischer, também foi para o Marcos.
Escrevi em 17 de fevereiro de 2017: “Em 15 de fevereiro de 1977, o então vereador de Porto Alegre Marcos Klassmann foi cassado por defender o vereador Glênio Peres, cassados dias antes pela ditadura e para que o MDB perdesse a maioria que tinha conseguido eleger, com apoio e voto de muitos de nós, em 1976 (o prefeito indireto/biônico era Guilherme Socias Villela). Dia 16 de fevereiro saiu o Decreto da cassação do Marcão!!! Comoção geral. Fui descobrir/relembrar tudo isso pelo Almanaque Gaúcho de hoje da Zero, onde o Cadão teve a dignidade de noticiar este fato histórico. Como estou remexendo meus guardados de textos/poemas/artigos/estudos/diários daqueles tempos – e de bem antes!, aproveitando minha aposentadoria, não política, nuns dias em Floripa, redescobri um poema que fiz pro Marcos no dia 15 de fevereiro de 1977, devidamente lido e entregue a ele. Mais adiante, nos atribulados tempos em que fui professor do Anchieta, 1979/80, onde fui acusado de ´fazer a cabeça da gurizada´ de classe média e alta, e de onde, pra variar, depois de pressões de Dom Vicente e Igreja – o caso chegou no Vaticano –, pressões do governo militar, SNI e Cia Ltda. (tenho todos os documentos a respeito vindos diretamente do Arquivo Nacional), fui demitido do Anchieta, O Marcão, já então no PDT, em debates acalorados, com apoio também do vereador Bagé, Antônio Cândido, do PT, ele, Marcos, já de volta à Câmara com a Anistia, foi dos que mais me defendeu. Viva o companheiro Marcão, Marcos Klassmann.”
Descubro matéria da Folha da Tarde, de 05.09.80: “VEREADORES DISCUTEM O CURRÍCULO DO ANCHIETA. Notícias publicadas em jornais sobre o currículo que vem sendo ministrado no Colégio Anchieta no tocante às aulas de Religião, fizeram com o vereador Frederico Barbosa (PDS) fosse à Tribuna da Câmara para denunciar esse procedimento. Em contrapartida, o vereador Marcos Klassmann rebateu as acusações e defendeu o ex-franciscano Selvino Heck.”
Segue a matéria da Folha da Tarde: “Marcos Klassmann disse que as aulas de Religião, que em boa hora caíram sob a responsabilidade do professor Selvino Heck, suprem a imoralidade da Moral e Cívica proposta oficialmente. ´E, não fosse o macartismo, a ignorância, a obscuridade dessa final flor do reacionarismo que trouxe esta denúncia, a população rio-grandense não teria a menor noção do que é competência didática e pedagógica, do que é um programa de Religião numa escola católica. Este programa é um modelo para uma aula de Religião e de Moral e Cívica e constitui modelo didático e pedagógico de Magistério.”
Segue a matéria da Folha da Tarde: “Mais adiante o vereador Marcos acrescentou: ´Quem pensa que a função da educação é mascarar a realidade, é enfeitar o ruim e o feio, é esconder o que há de bom, varrer as tristezas da nossa sociedade para baixo do tapete são aquelas mesmas pessoas que exilaram do país o maior educador que o Brasil j[a conheceu, Paulo Freire, reconhecido pelo mundo todo, exceto por nós. São as mesmas autoridades que negaram um plano de alfabetização, porque era um projeto pedagógico, didático, que partia da realidade. E votaram esse monstrengo chamado MOBRAL. As mesmas pessoas que pedem a transferência do professor Selvino Heck do tradicional Colégio Anchieta são aquelas que odeiam a inteligência, que odeiam a qualificação, que têm medo da verdade. São aqueles que se organizam em minoria para ditar regras à maioria. São aquelas que, em nome de Deus, fazem todos os atos contra qualquer princípio cristão. São aqueles que sempre se acobertam e se escondem sob o manto da mentira.”
O poema´, ´AO MARCOS, escrito em 15 de fevereiro de 1977, no calor dos acontecimentos, como mais que justa homenagem ao grande lutador, militante e sonhador, vereador cassado Marcos Klassmann, e lido em sua presença na sua presença, diz, canta, denuncia, anuncia, em palavras ainda vivas e presentes em outubro de 2024:
“AO MARCOS
Calaram o canto
do meu irmão.
Canto de amor,
canto do continente.
Fecharam sua voz,
impuseram o pranto.
O silêncio é total.
Já não é tempo
de liberdade.
Estamos presos,
temos o corpo
contra o muro,
cada dia mais
cerram as cortinas,
põem grades nas janelas,
lama nos ouvidos,
algemas nos pulsos.
A voz não é nossa,
meu irmão.
Bradamos roucos
nas esquinas.
Quem nos ouve,
quem ainda respira?
Meu irmão está mudo
por dez anos.
Nós estamos casados
com o medo
e a mentira.
Somos caçados
por todos os lados,
cassaram-nos as frestas
e a esperança.
Quem se preocupa
com nossa escravidão?
Quem olha
nosso coração
que não consegue balbuciar
a palavra de libertação?
Mas existe no nosso centro,
por dentro de nós,
um frêmito
que ninguém tira,
um ardor
que não nos rouba
o sopro da revolução.
Não te abandonamos,
meu irmão,
no desespero
e na escuridão.
Cantaremos por ti.
Emprestaremos nossa voz
a teu canto
e à tua esperança.
Contigo abriremos
o mundo à ternura,
o continente à vida.
Calaram o canto,
mas não calam a ideia.
Calaram o canto,
mas não calam o pensamento,
meu irmão.”
TAMO VIVO, companheiras, companheiros, com Glênio Peres e Marcos Klassmann. Resistimos em 1977, resistiremos em 2024. Na boa luta, com fé e coragem, ESPERANÇAR.
*Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990)