Decio Schauren*
Hoje fazem 150 anos da morte de Jacobina Mentz Maurer, líder religiosa dos Muckers.
Passado tanto tempo do massacre de Jacobina e dos Muckers, podemos hoje fazer uma avaliação com a serenidade necessária que o episódio merece, examinando fontes históricas da época. É o que fizeram vários historiadores em tempos mais recentes, como Elma Sant'Ana e Martin Dreher, entre outros.
Jacobina viveu num contexto histórico de uma Igreja e sociedade extremamente conservadoras.
A sociedade era patriarcal e a mulher ficava confinada à família, sem direito à manifestação ou liderança pública. Isso explica porque as mulheres não aparecem na historiografia.
Quando Jacobina assume papel de liderança entre aqueles colonos abandonados e esquecidos pelo governo da época, isso era considerado subversão. Quando ela passa a liderar o serviço religioso, ela quebra um paradigma das igrejas tradicionais, onde essa liderança era competência masculina.
Por isso, as atitudes de Jacobina não poderiam ser toleradas nem pelo clero nem pelas autoridades civis daquela sociedade patriarcal. Nem por um jornalista como Karl von Koseritz, com a concepção de que a sociedade alemã e teuto-brasileira eram uma elite, inclusive, superior a outras etnias. Para Koseritz, a liderança de uma mulher sobre um grupo pobre e autônomo em relação àquela elite conservadora conflitava com suas pregações e, por isso, a sua crítica feroz à Jacobina. Ele propôs que Jacobina e sua "seita" fossem deportados para uma ilha oceânica.
As igrejas evangélica e católica, as autoridades civis e a imprensa da época se articularam para demonizar Jacobina e seu grupo e criar um clima de histeria contra os muckers pacíficos, até então. Cria -se uma situação, como diríamos hoje, de bullying total contra os muckers, impondo-lhes também prejuízos econômicos. Quando a situação se tornou insuportável, com os muckers acuados de todas as formas, eles reagiram com violência.
Era o pretexto que as autoridades precisavam para determinar um ataque em massa aos muckers. O desfecho todos nós sabemos.
Mesmo depois do massacre, com Jacobina morta, sua imagem de liderança tem que ser apagada da História. Inventam-se mentiras grotescas, classificando Jacobina como bruxa e até como prostituta.
O padre Ambrósio Schupp, entre outros, se presta para isso, causando vergonha para os historiadores honestos. Quando ele descreve com detalhes os últimos momentos e a morte de Jacobina, tem-se a nítida impressão de que ele esteve presente com seu gravador ligado. Só que ele não chegou nem perto e o gravador só surgiu cem anos depois. Muitos escritos só estão sendo descobertos agora, como os escritos do pastor colono Johann Georg Klein, que motivaram o livro "Escritos Perdidos", de João Biehl e Miqueias Mügge.
As autoridades sabiam que tinham "culpa no cartório" e muita coisa ficou providencialmente escondida. Mas, cedo ou tarde, a verdade se impõe. Assim, cai mais uma distorção histórica.
*Pesquisador e genealigista