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O que é infortúnio (Adeli Sell)

A palavra "infortúnio" tem sua origem no latim infortunium, que pode ser traduzido por "desgraça".

Segundo nossos dicionários, sinônimos de infortúnio seriam todas estas palavras:

- infelicidade; adversidade; desventura; tragédia; desfortúnio; lástima; revés; problema; dificuldade; tribulação; desgosto; desastre; catástrofe; calamidade; sofrimento; desgraceira e flagelo.

Mas de que me adianta tudo isso para a vida?

Serve para buscar seu Direito e garantir a Justiça.

INFORTÚNIO E DIREITO

Quando pesquisamos, verificamos que, nos JULGAMENTOS, encontramos majoritariamente a expressão INFORTÚNIO DO TRABALHO. Segundo o site JusBrasil: 63.000 casos.

Lendo alguns juristas, constatamos que estes falam de acidentes de trabalho, incapacidade laborativa, invalidez acidentária, ou seja, vinculam a palavra infortúnio a acidentes e ao mundo do trabalho.

Não seria limitadora essa visão, quando analisamos os múltiplos sinônimos de infortúnio?

Não haveria mais infortúnios na desgraceira do nosso violento trânsito?

Não há infortúnio nas relações de consumo, quando somos obrigados a assinar contratos escorchantes e por impulso as pessoas compram “forçadas” por publicidade/propaganda enganosa?

Como se pode ver, estamos diante de uma multiplicidade de questões e de "interpretações" que exigem reflexões e ações.

 

INFORTÚNIO EM MARIANA E BRUMADINHO

“Tragédia” é a palavra que a mídia anda empregando para os dois fatos ocorridos. Estes aconteceram por negligência, temeridade, ganância e irresponsabilidade operacional da Vale.

Não é uma tragédia; tanto que no último caso a empresa já está se adiantando, propondo “dar” 100 mil reais a todos os atingidos, propondo acordos por danos materiais e morais, assumindo desta forma o dolo.

Já o Ministério Público deveria ter proposto, por recorrência de atos de negligência e outros já citados, uma ação, pedindo a condenação por “dumping social”, ou seja, por dano moral coletivo.

Se formos pegar pela RAIZ da palavra, a TRAGÉDIA  trata de um fato que traz dor, mortes, sofrimento por natureza não sabida ou impossível de ser controlada, independente da vontade ou até da ação das pessoas.

Um assassinato não é trágico, porque alguém teve a ação consciente para matar outrem.

Rompimento de barragem não é um furacão, este é feito da Natureza; aquele, por obra e graça da negligência ou,  no caso, a se ver depois do Inquérito Policial, até pode ter ocorrido por corrupção; logo,  não foi tragédia, mas um feito ocorrido, porque homens foram negligentes, como atesta este caso de Brumadinho, já que vários engenheiros que atestaram segurança para algo inseguro e já estão presos.

Seria, então, infortúnio como os juízes e juristas tratam as questões do mundo do trabalho?

Na magnífica composição de Carl Orff, Carmina Burana, a letra fala em “Ó Fortuna, imperatriz do mundo”. Se “fortuna” é “imperatriz do mundo”, infortúnio será certamente a “falta total de mando, comando, de reinado”.

Logo, no caso de Mariana e Brumadinho, não seria “infortúnio”, pois o império era da Samarco-Vale.

Se não é tragédia e nem infortúnio do que se trata? De palavras em busca do seu real significado.

 

PALAVRAS SÓ VALEM COM O SENTIDO QUE A VIDA LHES DÁ!

 

Há um rol de questões, de feitos, acontecimentos, ocorrências nos quais nos faltam a Fortuna, trazendo infortúnios, não é verdade?

Num caso de acidente de trânsito, de trabalho, destas barragens, da árvore que cai no parque e mata uma pessoa há elementos alheios aos agentes e alheios às vítimas. Tem, portanto, alguns elementos de tragédia, como nos ensina a peça grega Édipo Rei, o rei que casou com a rainha viúva, sua mãe, na verdade. Fê-lo sem saber.

Há, por outro lado, nítidos elementos de responsabilidade civil do motorista que não se importa em correr e atropelar, ou seja, temos aqui o dolo eventual, não mera culpa, assim como foi o caso dos engenheiros de Brumadinho.

No caso de Brumadinho a gravidade aumenta por causa da irresponsabilidade da Vale em construir os escritórios e o refeitório abaixo do vão da barragem. Algo que alguém já qualificou de “insano”. E, aqui, de novo, não seria esta palavra correta, pois louco não responde por tudo o que faz. Está no Direito.

O caso de Brumadinho aumenta o dolo dos agentes envolvidos, pois que geriam a Barragem e o empreendimento como um todo de forma negligente e irresponsável.

Por isso, creio que podemos usar para todos estes casos a palavra “infortúnio”, pois me parece mais adequada que qualquer outra, mesmo com todas as ponderações feitas e os riscos de imprecisão contidos nela para designar fatos tão diversos.

Pois os acontecimentos tem que achar uma palavra que os expliquem e para que as pessoas entendam do que se trata de fato.

 

DIANTE DE INFORTÚNIO, BUSQUE O DIREITO PARA GARANTIR JUSTIÇA!

Diante de um fato que atinja sua dignidade como pessoa, que lhe cause adversidade; desventura; revés; problema; dificuldade; sofrimento; desgraceira e flagelo etc vá ao seu advogado para uma ação que busque reparo, tanto pode ser por dano moral quanto material a si e a outros na mesma situação.

Vale dizer: busque o Direito para lhe garantir a Justiça!

INFORTÚNIO E DIREITO DO TRABLALHO

Ouvimos, torto a direito, as pessoas dando palpites sobre a “baixa” verba por danos morais no caso de Brumadinho, ocasionadas pelas mudanças advindas da Reforma Trabalhista. Mas aqui não será tratado como “direito do trabalho”, mas como direito civil, de diversos direitos das pessoas, de seres humanos, que trabalhavam direta ou indiretamente (terceirizados), como moradores do entorno e mesmo empreendedores, como foi o caso dos donos da Pousada e os agricultores que tiveram suas plantações devastadas, como também do Direito Ambiental que chama garantias para hoje e as futuras gerações.

As pessoas terão que ser indenizadas, caso a caso, de forma a repor o mínimo razoável, já que vidas não tem preço. Exemplificando, a devastação de uma estufa de feitura de mudas é quase incomensurável para o plantador, mas haverá um cálculo aproximativo.

O dano ambiental jamais terá a adequada reposição. E, repetindo, vidas não tem preço.

 

INFORTÚNIO E AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Certamente o Sindicato dos Trabalhadores em Mineração, o de Serviços Terceirizados, como Vigilância, Limpeza, Segurança, dos Motoristas, dos produtores rurais etc poderiam entrar com Ações Civis Públicas, representando a todos os que sofreram o infortúnio.

Sabemos que a Defensora Pública da União está em Brumadinho, orientando os casos dos atingidos, sabemos de alguns movimentos do Ministério Público.

A própria Vale quer selar “acordos” extrajudiciais, dado o desgaste econômico-financeiro que está tendo com o feito. Dependendo da atitude da empresa suas ações oscilam na Bolsa de Valores, numa demonstração cristalina dos obscuros meandros do capitalismo selvagem e devastador.

Por isso, associações como a ABUR – Associação Brasileira dos Usuários de Ruas e Rodovias; como a AGVI – Associação Gaúcha de Vítimas de Violência, Acidentes e Infortúnio, entre outras podem cumprir este papel de representação.

Creio que caso semelhante cumpriria a UAMPA – União das Associações de Moradores de Porto Alegre – propondo uma ACP – Ação Civil Pública – contra o DMAE, pela falta de água, isto sim, todos falam que é o INFORTÚNIO deste verão.

 Que a dignidade da pessoa humana se agigante diante dos malefícios do capital predador, diante da irresponsabilidade de ouros seres (des)humanos, que se barrem pela ação da cidadania todos os infortúnios!

 

ADELI SELL é acadêmico de Direito