O LUGAR DA PRISÃO NA NOVA ADMINSITRAÇÃO DA POBREZA, SEGUNDO LOIC WACQUANT
(UMA ANÁLISE CRÍTICA E APONTAMENTOS AO TEXTO)
I - INTRODUÇÃO
O mundo tem 7,44 bilhões de habitantes.
Os EUA tem 326.971.407 , destes 2.2 milhões estão presos.
No Brasil temos 208 milhões de habitantes e 725 mil presos.
O Brasil é o terceiro país que mais encarcera no mundo, sendo que os EUA são campeões.
A China é o segundo país que mais prende; em torno de 1,6 milhões, mas seu sistema é diverso do americano e do brasileiro.
Com 42 mil mulheres presas, o Brasil é o quarto país em aprisionamento feminino.
A sociedade americana atual é cinco vezes mais punitiva do que há 25 anos atrás. Quadruplicou nos últimos 30 anos sua população nos cárceres.
No Brasil, em 11 anos, tivemos a população carcerária duplicada.
Por esta linha caminha a Humanidade, pois não muito diferente é a situação na Turquia, Irã, México, Indonésia, Índia, com população carcerária cada vez mais jovem.
Temos é claro diferenças nos encarceramentos em cada país, especialmente entre o Brasil e os EUA.
No Brasil, teríamos que praticamente dobrar o sistema carcerário que existe hoje em apenas um ano, para “desafogar” os presídios superlotados.
Alamiro Velludo, ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e professor de direito da Universidade de São Paulo (USP) é taxativo:
"Quando a gente trata todos os crimes de maneira indistinta, o que faz é botar na cadeia um monte de gente pobre, negra e periférica. No fundo o Estado nada mais faz do que uma gestão da miséria.
Não adianta só construir vagas. Desse jeito vamos sempre correndo atrás do número de vagas. É preciso reequacionar o sistema como um todo."
Aqui, uma grande similitude com o texto proposto ao debate de Loic Wacquant.
II - O SENSO COMUM NÃO TEM RAZÃO
O senso comum, regra geral, está sempre errado. Acreditava-se que o mundo era plano; mas ele é redondo.
Assim, quando se fala em crime, prisões, tempo de condenação, rigor da pena - tudo - nos faz voltar ao antigo CRIME E CASTIGO.
Sempre é bom lembrar as tragédias gregas como Édipo Rei, que teve que se cegar para “punir” o “crime” praticado. Antígona, outra das tragédias gregas, nos traz ensinamentos sobre as penas, sobre o Direito, o poder de Estado, enfim, as coisas voltam, vão, retornam.
“A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.” (Karl Marx MARX, K., Dezoito Brumário de Louis Bonaparte, 1852.)
Para saber mais de crimes, a boa Literatura nos serve sempre, como Moll Flanders, de Daniel Defoe; Crime e Castigo, de Fiodor Dostoievski etc.
Este aporte literário nos faz “passear” pela História e suas mais variadas concepções, sem esquecer da Santa Inquisição, da morte de mulheres condenadas por bruxaria e queimadas vivas.
Para se entender mais e melhor o texto do Wacquant seria útil revisitar o clássico “Dos delitos e das penas”, de Cesare Beccaria, no qual ele se propõe criticar, examinar, abusos dos séculos anteriores a ele.
Beccaria propõe, como ideal, que houvesse distribuição equitativa das vantagens entre os membros da sociedade. Porém, na realidade concentram-se privilégios em poder de poucos. Assim sendo, somente as leis podem impedir ou por fim nestes abusos.
Esta é a lógica iluminista que nós, nos dias atuais, passado tanto tempo, temos obrigação de seguir: as leis podem impedir ou pôr fim nestes abusos.
III - AS LEIS
A – CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Antes de tudo a nossa CF é clara quando diz em seu artigo 5º, inciso XXXIX:
"não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" - princípio da legalidade e princípio da anterioridade.
A Constituição Federal apresenta as penas proibidas no Brasil. Artigo 5o, inciso XLVII:
não haverá penas:
- a) de morte, salvo em caso de guerra declarada (...);
- b) de caráter perpétuo;
- c) de trabalhos forçados;
- d) de banimento; e) cruéis.
Ademais, segundo José Afonso da Silva, o princípio do devido processo legal combinado com o direito de acesso à justiça(artigo 5º, XXXV), o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV), fecha o ciclo das garantias processuais.
Assim, garante-se o processo, com as formas instrumentais adequadas, de modo que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um, o que é seu.
B – CÓDIGO PENAL
Já na sua Introdução, em 1940, dizia:
“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.”
IV - CRIME E POBREZA
Muita vulgaridade se disse e se escreveu sobre a relação crime e pobreza.
De um lado, aqueles que negam que haja qualquer relação entre crime e condições de vida e outros que fazem uma leitura linear entre o fato de ser pobre e “cair no crime”.
Esta vulgata, este senso comum - como sabemos - esquece os ciclos históricos, a cultura dos povos, a ciência e tudo o que se relacionada à vida real dos seres humanos.
Mais do que uma relação entre a pobreza e o crime, Vacquant nos leva aos pretextos autoritários nos EUA para “administrar” a pobreza, para jogar o egresso num mercado de trabalho desqualificado, ou antes, tirando o sujeito do seu gueto urbano para trancafiá-lo no gueto prisional.
Fica evidente pelo relato, pelos dados objetivos dos aprisionamentos e da vida em cárcere, que há uma clara política de encarcerar os que não se submetem ao “status quo” vigente, por qualquer crime (mesmo os de menor potencial ofensivo) para penas rigorosas, que alquebram o ânimo das pessoas, especialmente de jovens, que saem doas prisões e são monitorados, tendo que prestar exames toxicológicos e outros, obrigando-os a serviços sem qualificação, sem os devidos ganhos pela venda de sua força de trabalho.
De um lado a politica neoliberal “a la von Mises” de “menos Estado” ou de “estado mínimo”, com cortes violentos nos recursos do bem estar social, para construir mais e mais prisões. No caso do Brasil, para atacar o tema da superlotação prisional e construção de mais presídios a continuar a política do enclausuramento em massa por quaisquer crimes gastaríamos os recursos de um ano da Bolsa Familia na construção destas prisões.
V - CAPITALISMO DE CADEIA
Nos EUA, especialmente em alguns Estados, dado inclusive as diferenças em suas legislações, formou-se um processo de “industrialização das prisões”, dando mão de obra muito barata aos capitalistas explorarem.
Saíndo dali, vão mais uma vez servir aos aspectos mais periféricos deste mesmo capitalismo que precisa cada vez mais explorar serviços menos qualificados e “menos nobres” por esta legião de 500 mil egressos a cada ano do seu sistema prisional.
Pelo texto, esta tese se fortalece pelos dados aportados de mais presos afro-americanos, migrantes, mexicanos, latinos e asiáticos.
E o que mais chama a atenção é uma espécie de “big eye”, uma câmara de filmagem real ou virtual sobre as cabeças dos egressos, como se todos fossem de índole divergente, gente desonesta e perigosa.
Nos EUA se pune mais e cada vez mais, se encarcera cada vez mais, o controle sobre as pessoas só aumenta mais armas são vendidas, mais crimes se praticam, mas sua política continua a ser a mesma, na mesma direção com incremento de suas doses de crueldade, desdém com o ser humano, com ataques ao Estado de bem estar social.
Aqui, com os momentos que estamos vivendo no Brasil, o caminho é trágico porque a submissão a essa política cresce, e o governo recentemente eleito tem este modelo como prisma principiológico.
Ao rever a LEP - que veio a lume antes da Constituição Federal – agora poderá ser não só arranhada com a atual e nova composição no Congresso Nacional, como poderá sofrer rupturas maiores e lá vão por terra a política de recuperação e inclusão do apenado no processo social, produtivo e do convívio familiar.
A espetacularização das prisões e ações das Polícias apontam claramente para tal, como foi a extradição do grande traficante Piloto do Paraguai para o Brasil nos últimos dias, o que pode ser um bom sinalizador que o “crime não compensa”, apesar de sabermos que o seu crime é eminentemente econômico, mas ela teve decorrência espetaculoso ao cercar duas vilas em Porto Alegre, pois ali não tem nenhum “Piloto”, tem sim os mesmos desgraçados seres humanos descritos no texto lapidar de Loic Wacquant: “O lugar da prisão na nova administração da pobreza”
ADELI SELL é vereador e acadêmico de Direito