Adeli Sell
Com fúria “modernizante”, há pessoas que “não se tocam” da importância da memória, da história e da cultura; elegendo botar tudo abaixo, taxando de “velho” edificações históricas, criando mostrengos arquitetônicos.
Em Porto Alegre, a regra se confirma ao quadrado. Houve um prefeito, verdadeiro exterminador do futuro, indicado pela ditadura que botou abaixo várias obras de nosso patrimônio histórico-cultural.
Apesar de três normas importantes do passado - o Decreto-lei n. 25/37, o Decreto-lei n. 3.365/41 (desapropriação com fins estéticos), Lei n. 4.717/65 (AP para tutela de valores artísticos, estéticos e históricos) – colocou-se abaixo, repetindo, edificações que, ao vermos suas fotos, temos a dimensão do crime cometido pelo então prefeito Telmo Thompson Flores.
Tivemos que aguardar, depois da ditadura, a Constituição Federal para termos o lapidar artigo 216, dando a conceituação de patrimônio cultural:
Art. 216 - bens materiais e imateriais, individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, incluindo as formas de expressão; modos de criar, fazer e viver, criações científicas, artísticas e tecnológicas, obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais, conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
É intolerável que cheguemos a 2024, com a cidade sem uma ousada legislação, em decorrência da lei maior.
Nossa legislação de apoio à preservação tem que ser revista, repensada com a sociedade, englobando profissionais e o povo em geral.
Como vereador tenho me pautado em defender os elementos positivos e garantidores das normas em vigor, em especial as leis federais.
Já tenho esboçado um conjunto de elementos para propor uma ousada, firme e profícua legislação, a começar por dar condições de um imóvel ser preservado, com isenção ou descontos no IPTU segundo o valor de cada um destes espaços.
O Estatuto da cidade - LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001 – traz fortes elementos para a busca da preservação.
Destacaria estes:
- Plano diretor e zoneamento;
- Outorga onerosa;
- Transferência do Direito de construir;
- Direito à preempção.
Pretendo, num futuro próximo, formar um grupo de especialistas e pessoas interessadas, debatendo estes pontos legais, em visto da preservação.
Temos que ter como foco, ao prensar em memória e preservação, a imagem da cidade. Verificar e identificar na cidade espaços dotados de valores significativos em termos culturais e paisagísticos. Neste sentido, a revisão do plano diretor que se avizinha é elemento fulcral normativo.
O Plano Diretor pode e deve inserir regimes urbanísticos diferenciados para o entorno de bens tombados, repercutindo nas construções circunvizinhas etc.
Apesar de todas normas federais e municipais, Porto Alegre tem desdenhado de seu patrimônio.
Além disso, o erário bancou pesquisas e estudos que não passaram de um conjunto de anotações que nunca viraram norma.
O maior inimigo da preservação de nosso patrimônio é o setor da construção civil, com sua fúria de levantar prédios altos e de duvidosa estética.
Como não olhar para o passado e pensar na Porto Alegre com aquela magnífica Igreja do Menino Deus e da Vigário, não estes dois monstrengos atuais.
Como esquecer o fim do Mercado Livre que ficava ali ao lado do prédio da Associação Comercial, entrada para a Estação da Trensurb.
Thompson foi o destruidor das estações férreas, a Central e a Ildefonso Pinto (no início da avenida Borges), para fazer o Túnel da Conceição arrasou todas as construções em seu trajeto. Quis demolir o Mercado Público, mas as campanhas por sua preservação é que vingaram…
Lembro-me do casario da Independência ao chegar em Porto Alegre na década da 70.
Haveria tantos e tantos registros a fazer.
Citamos alguns para termos a dimensão da importância da preservação.
Adeli Sell é professor, escritor, bacharel em Direito e vereador.