Adeli Sell
Em 1978, o filme "O amargo regresso" deu a Jon Voight e Jane Fonda o Oscar de melhor ator e atriz. O filme começa com um jogo de sinuca (a imagem não é fortuita) e os "aleijados" pelas granadas jogam e falam dos infortúnios da Guerra do Vietname. Em 2024, em junho, começa aqui o "Amargo Regresso" com a busca dos "desalojados" por suas casas, várias levadas pelas águas, outras danificadas, sujas de lama e nenhum objeto a ser salvo, esperando limpeza.
Além das Memórias que as águas sujas e turbulentas levaram para não se sabe aonde. Para a guerra, os soldados são enviados, mesmo contra a sua vontade. Num infortúnio da selvagem Natureza e suas catástrofes, as pessoas têm que fugir para um lugar seguro. Como o soldado que caiu na Guerra, aqui são dezenas e dezenas levados pelas águas, muitos jamais serão encontrados. Lá as mães choraram seus filhos vindos num esquife ou chegando sem uma perna, sem um braço, se arrastando. Aqui, são seres desalojados, com resgates cinematográficos, crianças chorando de medo, velhos jogados num catre ao chão; e, agora, um "amargo regresso" para cenas dantescas onde antes fora um lar idílico.
Entrar num bairro destroçado, com entulhos tomando ruas, pessoas labutando pela limpeza e reposições é uma cena de guerra também. Outra batalha é entrar em suas casas. No "Amargo Regresso" deles vieram os traumas, a saúde mental abalada, a depressão. Aqui, será igual: traumas, abalo mental, depressão. Muitas pessoas não resistiram e se suicidaram. Aqui, por questões "morais" estas mortes serão escondidas, mas haverá de acontecer.
Lá o Estado provedor mal forneceu uma aposentadoria deplorável. E aqui? Apesar dos gritos dos negacionistas, dos focos da extrema direita vociferante e imóvel, dos produtores de fake news, o governo Lula se fez presente e solidário. Foi quem facilitou o acesso imediato a R$ 5.100,00. Mas algumas prefeituras desdenharam, demoraram, retardando os cadastros, logo retardando este recurso. A cidade de Canoas teve uma agilidade exemplar para o envio dos cadastros. Em Porto Alegre, cargos de confiança, ao preencher os formulários, mentem dizendo que tem subsídio da Prefeitura. Isto é criminoso. Vários planos estão em curso, Lula instala um Ministério Extraordinário. Já está em curso o financiamento via Pronampe. Estuda-se no BNDES outro, o Pronampe Catástrofe, demanda do empresariado local. O governo paga três meses na suspensão do contrato de trabalho, mas a demanda é por subsídio, a resposta deve vir logo.
O programa MCMV é ativado em outras bases, sendo que o governo federal garante a quem perdeu sua moradia recursos para tê-la de volta. É bem verdade que o governo do Estado garantiu 2.500 reais por família. Mas vacila em apresentar um projeto de reconstrução, mesmo com a suspensão da dívida por três anos por parte do governo federal, gerando um valor capaz de ser muito mais ousado. Tanto o governo estadual quanto o de Porto Alegre e outras localidades se pautam por uma profunda ingratidão e uma postura política de disputas. Em vez de aliviar o "amargo regresso" dos nossos irmãos que perderam (quase) tudo nas enchentes, preferem o jogo de sinuca, que tem lá suas regras, mas acho que aqui cabe o comportamento popular, quando neste jogo se diz: "tivemos que tomar o taco da mão do galo-cego, porque ele tava jogando as bolas pra fora da mesa". É isto que deve acontecer com as eleições deste ano, temos que tirar o taco deles, quando daqui a três anos do Estado teremos que fazer o mesmo. Para aliviar o "amargo regresso" nós escolhemos lado: estamos na luta por solidariedade, ajuda, bem como ações no parlamento, como buscando apoio na esfera federal.
ADELI SELL é professor, escritor, bacharel em Direito e vereador do PT, em Porto Alegre.