Adeli Sell
Circulando pela cidade, depois de mais um dia de chuva, com um vento gelado e dez graus, encontrei minha Porto Alegre de "baixo astral", e isto me levou a lembrar da letra e música do Kleiton e Kledir: "Deu pra ti".
Deu pra ti
Baixo astral
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Deu pra ti
Baixo astral
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Quando eu ando assim meio down
Vou pra Porto e, bah, tri legal
Coisas de magia, sei lá
Paralelo 30
Deu pra ti
Baixo astral
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Deu pra ti
Baixo astral
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Alô tchurma do Bonfim
As gurias tão tri afim
Garopaba ou Bar João
Beladona e chimarrão
Deu pra ti
Baixo astral
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Deu pra ti
Baixo astral
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Que saudade da Redenção
Do Fogaça e do Falcão
Cobertor de orelha pro frio
E a galera no Beira Rio
Deu pra ti
Baixo astral
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Deu pra ti
Baixo astral
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Quando eu ando assim meio down
Vou pra Porto e, bah, tri legal
Coisas de magia, sei lá
Paralelo 30
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Deu pra ti
Baixo astral
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Deu pra ti
Baixo astral
Vou pra Porto Alegre
Tchau
Cito toda a letra aqui, pois os mais jovens gaúchos também não conhecem esta letra, eram outros tempos, mas sempre foi assim: deu um baixo astral, vou pra Porto Alegre "Tchau".
Agora, virou tudo de ponta cabeça.
Porto Alegre foi tomada de "baixo astral". Não estão mal apenas as pessoas que ficaram alagadas, que estão fora de suas casas, em casas de amigos ou nos abrigos. Mas as pessoas em geral. Passei por uma de nossas ruas centrais, nos paradões de ônibus, parecia um feriado, menos pessoas, e o que mais me tocou era o semblante das pessoas. Creio que ninguém está bem.
Por isso, é hora de reflexões.
O que foi feito de errado no Rio Grande do Sul?
Em 1820 Saint Hilaire se queixou do lixo da cidade. Hoje, com 1.330.000 habitantes que produzem muito lixo mesmo.
Perdemos o nexo com a separação do lixo, tudo está misturado, quando não espalhado pelas ruas, com qualquer chuva a cidade já era um caos.
De cidade de mais árvores do país, viramos a cidade do arboricídio.
Crescem os espigões em áreas que foram áreas livres, arborizadas.
Nada foi feito em termos de manutenção de nossas casas de bombas e diques.
No Estado do Rio Grande do Sul afora desmata-se, acabam-se as matas ciliares, planta-se nas nascentes.
É soja para cá e para lá, plantam-se pinus, eucaliptos e tudo vira um deserto verde, que vai virar papel para servir o mundo, quando os meios digitais crescem, dando ideia de que só nós produzimos papel.
O governo do Rio Grande do Sul propõe e conquista maioria para atacar as leis ambientais.
E aí se vai...
Aqui, passou a boiada. Depois vieram as águas, violentas, que nos fez lembrar Bertold Brecht:
Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.
O rio tem seu curso, suas águas nascem límpidas. Com o Tempo mudaram de cor, pela ação dos humanos. Sim, pois uma animal não suja a fonte que lhe mata a sede.
Em Porto Alegre fomos aterrando o Lago Guaíba, vieram as águas de quatro grandes rios, alguns com 700 quilômetros de corrida. Choveu. Sim, muito. Mas ele cobrou seu curso, alagando as partes que foram aterradas.
São mais de 90% dos municípios atingidos. Passado quase um mês três bairros em Porto Alegre estão alagados, sem acesso às casas.
Tudo isto criou um baixo astral em Porto Alegre, a mesma Porto Alegre que recebia alguém que fugia de algum baixo astral.
As façanhas que se falam em nosso Hino foram mitos, lendas e mentiras. Agora, sim, é hora de fazermos a maior façanha de todos os tempos, reconstruir nossa capital e o Estado, cuidando da mãe NATUREZA.
ADELI SELL é professor, escritor, bacharel em Direito, vereador do PT em Porto Alegre, RS.