Adeli Sell
Reminiscências
“A enchente de 1941. Entrava-se de barco pelo corredor da velha casa de cômodos onde eu morava. Tínhamos assim um rio só para nós. Um rio de portas adentro. Que dias aqueles! E de noite não era preciso sonhar: pois não andava um barco de verdade assombrando os corredores? Foi também a época em que era absolutamente desnecessário fazer poemas..." Mário Quintana, in Sapato Florido, Editora Globo.
Em 1941, o Estado era governado por um obtuso Saturnino de Oliveira, enquanto Porto Alegre tinha o ousado Loureiro da Silva como prefeito. Em 2024, somos governados por Eduardo Leite e em Porto Alegre Sebastião Melo é o prefeito.
Porto Alegre tinha apenas 270 mil habitantes, sendo então uma cidade que tinha branqueado com levas e levas de imigrantes europeus. Agora, Porto Alegre tem pouco mais de 1.300.000 moradores. Sendo mais uma vez uma cidade miscigenada, com presença de pretos significativa.
No Dilúvio havia embarcações, que ainda passavam por debaixo da Ponte de Pedra. A Ilhota era realidade. Os pobres e negros dali, como de outras partes da Cidade Baixa, ainda não tinham sido jogadas na distante Restinga. Em setembro de 2023, com a enchente do Guaíba ameaçando adentrar a cidade, se falava que o "rio" estava invadindo a capital, mas, na realidade, a cidade é que invadiu o Guaíba.
A atual enchente inundou todas as áreas aterradas da cidade, em especial as parte do Centro Histórico, Cidade Baixa e Menino Deus que tomamos do leito do nosso Lago Guaíba. Não bastasse os 60 mil desabrigados de 1941 e 17 mortes, a cidade festejou seu falso bicentenário, uma empulhação do historiador Walter Spalding e do prefeito Loureiro. Em 2024, há mais mentiras do que então. Pois é falso dizer que havia cuidados com a proteção. É mentira. A "festa" falsa do passado não destruiu nada, mas agora as mentiras levaram parte da cidade e machucaram profundamente seu povo. Na época, estávamos em plena II Guerra Mundial. A carnificina era cruel. Assustadora, mas não como os alvos da Ucrânia e em Gaza, com armas letais guiadas por Inteligência Artificial.
As notícias eram de jornais e de rádio. Não havia TV nem mídias sociais. A letalidade das mentiras hoje em dia, via as tais "fake news", é cruel. Na época havia certamente imprecisões, mas não havia a Banalidade do Mal ambulante por todos os lados. Não havia o Muro da Mauá nem diques nem comportas. Isto só veio a começar por 1969 em diante com obras do governo federal, através do DNOS, Departamento Nacional de Obras e Saneamento, algo como o DNIT atual.
O muro providencial nos ajudou. Ajudaria mais se tivesse tido a devida manutenção das casas de bomba e das comportas. E tanto o governador, o prefeito atual e alguns "abobados da enchente" queriam derrubá-lo. Getúlio Vargas era o ditador gaúcho que nos governava então. Não achei qualquer dado de sua vinda ao Estado. Já, em 2024, Luiz Inácio Lula da Silva, um nordestino, governa o país pela terceira vez e em poucos dias veio três vezes ao Estado e designou um Ministro Especial para acompanhar a reconstrução do Estado do Rio Grande do Sul e sua capital. Muitas coisas certamente vão ser escritas ainda. Aqui, apenas alguns dados e a verdade nua e crua.
Adeli Sell é professor, escritor, bacharel em Direito e vereador do PT em Porto Alegre.