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Porto Alegre: uma cidade despreparada para enfrentar os desastres ambientais

Milton Cruz*

 

Especialistas gaúchos e brasileiros de várias áreas do conhecimento vem há tempos identificando as características de nossos sistemas de planejamento e de governança. Eles afirmam que precisamos superar a nossa baixa capacidade de previsão, o planejamento burocrático, a incapacidade de prevenção, e a falta de transparência e de participação da sociedade. Essas características negativas herdadas das Administrações centralizadoras e tecnocráticas criaram práticas que fragmentam a ação dos órgãos públicos, desenvolveram uma linguagem tecnicista que dificulta o entendimento pela sociedade, e não desenvolveram o hábito da prestação de contas. Esses são sistemas de planejar e governar a cidade que se utilizam de instrumentos e de práticas do passado que criam vários tipos de amarras. 

Os eventos climáticos recentes, que prejudicaram seriamente o abastecimento de energia e de água, que alagaram a cidade isolando bairros, fechando as principais entradas da cidade, a rodoviária e o aeroporto internacional, revelam que a cidade não dispõe da capacidade de previsão, de prevenção, e de ação rápida o suficiente para mostrar para a sociedade que os governos estão fazendo tudo o que a ciência e as tecnologias atuais permitem fazer. 

A Prefeitura Municipal de Porto Alegre vem realizando o debate sobre a cidade que temos e a cidade que queremos através da revisão do Plano Diretor de 1999. Esse Plano é um dos instrumentos que contribuem para o planejamento estratégico da cidade. Apesar dos intensos debates e do significativo envolvimento de entidades da sociedade civil e do mercado, a infraestrutura urbana foi considerada boa o suficiente para dar conta dos programas de revitalização do centro histórico e do 4o. Distrito. A enchente do Guaíba, que começou a ser sentida no dia 1o de Maio, revelou outra realidade, pois alagou justamente essas regiões. A euforia criada com a promessa de construção de mais prédios nessas regiões e a concessão do Cais Mauá para empresa do setor imobiliário se mostrou frágil e expôs o descuido com o sistema de proteção contra as cheias. 

Outro instrumento de planejamento estratégico é o Plano Plurianual (PPA), que diz como o governo municipal pretende gastar os recursos do orçamento municipal durante os quatro anos de governo, e que se articula com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). No PPA, o governo previu que apenas 4 das 23 casas de bombas que fazem parte do sistema de proteção contra as cheias seriam reformadas e ampliadas. A Agência de notícias UOL publicou que o governo municipal não investiu nada em 2023, apesar de ter previsto no plurianual.

As imagens divulgadas pelas principais redes de televisão mostraram o vazamento das comportas da Av. Mauá, o refluxo das águas em direção ao centro na casa de bombas, e o rompimento de uma comporta na entrada da ponte do Guaíba. Do total de 23 casas de bomba, apenas quatro delas se mantiveram em operação. A estação de tratamento de águas Moinhos de Vento está paralisada pois a casa das bombas que faze a captação da água do Guaíba ficou debaixo d’água. A sede dos principais órgãos de governo localizados no município, como a Prefeitura, Procergs, Procempa, Tribunal de Contas, Ministério Público, DNIT, IBGE, Receita Federal, Câmara e Vereadores, entre outros, foram atingidas pela enchente.

Os processos de planejamento urbano e de organização do orçamento público não conseguiram priorizar os investimentos e as ações que garantem a infraestrutura que prepara a cidade para enfrentar as mudanças climáticas. Precisamos mudar urgentemente esses processos e envolver os representantes desses órgãos governamentais e das entidades da sociedade civil no debate e na apresentação de propostas embasadas na ciência, no conhecimento técnico e na experiência que os atores têm com a vida urbana. O monitoramento e o controle sobre a execução das ações priorizadas precisa ser acompanhada de perto pelos órgãos de controle para que se evite a desinformação e o desencontro entre o debate e a priorização e a ação prática. Tornou-se urgente estabelecer um consenso a respeito do modelo de desenvolvimento que orientará a alocação dos recursos municipais, estaduais e federais que serão destinados para corrigir as falhas identificas na infraestrutura que garante os fluxos urbanos que são necessários para o funcionamento da cidade e o bem-estar dos moradores de cada bairro. A ideia de que basta construir edifícios para a cidade se modernizar, se mostrou frágil e inconsistente com o mundo das mudanças climáticas.

A Cidade de Porto Alegre poderá comemorar o seu próximo aniversário recebendo como presente o comprometimento de todos, agentes públicos, agentes do mercado e da sociedade civil, com ações efetivas que a protejam dos eventos climáticos extremos que continuarão acontecendo. 

 

*Pesquisador, professor e Autor do Livro: A Cidade e a Modernização. https://editoraappris.com.br/produto/a-cidade-e-a-modernizacao-sociedade-civil-estado-e-mercado-em-disputa-pelo-conceito-de-planejamento-urbano/. Pesquisador colaborador do Observatório das Metrópoles