Adeli Sell
Já tinha lido coisas boas sobre o nosso Theatro São Pedro. Também li sobre os primórdios de outras casas de espetáculos. Mas nunca tinha me deparado com um escrito sobre o DAD - Departamento de Arte Dramática da UFRGS. Como aluno do Curso de Letras fiz uma disciplina optativa naquele prediozinho ali da Avenida Salgado Filho.
Eis que o Vinícius Cáurio me alcança generosamente o livro de Juliana Wolkmer, “DAD História e Memória”. Uma edição da Libretos, graças ao Fundo Pró-cultura estadual.
Na contracapa leio o que é a essência do elogiável escrito:
"Existe um tempo no DAD - Departamento de Arte Dramática da UFRGS que é um tempo diferente. Um tempo de descobertas, acertos, erros, sonhos e desejos de revolucionar a si e ao mundo através da arte.”
"Neste livro, a trajetória da segunda escola universitária de teatro do Brasil, fundada em 1957, é revelada por meio de fragmentos e narrativas. É a história do DAD. É a história do teatro gaúcho."
E a autora dedica o livro, pesquisa profunda, às personagens, protagonistas e coadjuvantes, que ocuparam os palcos e os bastidores dos mais diversos episódios desta história.
Pelo seu relato temos conhecimento de todos os seus professores, vários ex-alunos, que tudo fizeram para manter este espaço de arte, contra a falta de recursos, de espaços, incompreensões e contra a ditadura. Esta ditadura que cassou professores, mentes brilhantes como foi o caso do pensador ímpar, Gerd Bornheim. Por ali passaram e fizeram história pessoas dos meus tempos em Porto Alegre que admirei e admiro, como Ivete Brandalise, Sandra Dani, Luiz Paulo Vasconcelos, só para não me alongar.
Mirna Spritzer, nossa atriz tão conhecida, nos dá a graça de apresentar o livro como "um lugar, uma casa, uma escola". Isto mesmo. E ela sarcasticamente nos lembra que "os banheiros nunca tiveram indicação de sexo".
Juliana nos conduz através do Curso de Arte Dramática, um sonho coletivo. Descreve a epopéia dos primeiros anos, onde aparecem nomes que acabaram frequentando a cena nacional, para muitos um período pouco conhecido certamente. Quando passa aos Anos 60, ela nos apresenta uma escola de teatro que vive entre arte e política, pois não poderia ser diferente: havia repressão e ditadura, como pelo mundo havia mudanças culturais, rebeliões de costumes e na política. Fala dos papeis de professores, como o diretor Lothar Hessel, que conheci mais tarde no Instituto de Letras, como fala de Gerd, a quem nos anos 70 entre nós era lembrado com reverência, um revolucionário em todos os sentidos. Aparece entre tantas coisas a luta de Ivo Bender pela cena teatral contra o desdém dos governos.
Quando chega aos anos 70, apresenta-nos o "resistir para existir", como fora no DAD e nos cursos da UFRGS em geral, mas o DAD sempre como vanguarda. Aparecem o improviso, o imprevisto, o faz tudo para sobreviver.
Ao nos falar dos anos 1980 e 1990 apresenta "novas conquistas". Há uma lembrança de enfrentamento à Brigada Militar em 1995 que, às vezes, se esquece da violência policial depois da "democratização".
Quando adentramos o século XXI vêm as "transformações e desafios". Lembra o aumento de vagas depois da entrada do governo Lula, a Lei das Cotas, com a presença de pretos/as tão raros no passado nos palcos.
Nada passa despercebido pela autora, colocando as cenas pretéritas e mais recentes nas páginas deste livro de memórias: luta pelo Centro Acadêmico no passado, os protestos mais recentes contra a morte de Mariele Franco.
Tem tantas coisas marcantes contadas e recontadas em suas quase 170 páginas, por isso deixo um apelo que é mais do que um convite pela leitura.
É necessário destacar que a coordenação geral da publicação foi feita pelo Vinícius Cáurio e a produção executiva por Reissoli Moreira, duas figuras marcantes de nossa cena cultural, tendo a minha maior admiração.
E lendo o livro acabo de virar fã da autora, Juliana Wolkmer.
Adeli Sell é professor, escritor, bacharel em Direito e vereador do PT.