Rafael Guimaraens já é referência em nossa literatura, seja pela produção histórico-memorialista, seja por crônicas e romance.
Rafael tem como lugar de escrita e reflexão a nossa capital, seus eventos, suas personagens, seus acontecimentos, sua História (geralmente mal contada).
Desta vez, como se lê na contracapa: "Rafael Guimaraens propõe um mergulho no submundo de uma cidade que se moderniza e aprofunda seus abismos sociais".
1935 é o ano em que se faz o preparo e se inicia a Grande Exposição do Centenário Farroupilha. Tanto que na capa salta aos olhos os prédios de sua suntuosidade.
E mais uma vez temos a personagem do jornalista Paulo Koetz, que já estivera no “Dama da Lagoa”. E convivemos com figuras emblemáticas como o médico-psiquiatra e autor de “Os Ratos”, Dyonélio Machado, preso por seu ideário político revolucionário, junto com outros combatentes da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Temos também a jovem figura de Apparício Cora de Almeida, cuja morte foi dada como suicídio acidental, mas que os personagens de seu entorno tem como um assassinato, já que vinha investigando a morte a machadadas de outro revolucionário, seu amigo Waldemar Rippol, primo e irmão de criação da grande poeta Lila Rippol. Pela figura da dançarina Juliette Foillet, namorada do jornalista-investigador-narrador, ficamos sabendo da rede de tráfico internacional de mulheres e da virulenta exploração da dignidade da pessoa humana.
Rafael é um aficionado das boas narrativas policiais e está se tornando um exímio dominador nesta difícil arte. Neste 1935 tem um pouco dos clássicos deste gênero, como no "Espião que aprendeu a ler", aquele numa referência ao grande John Le Carré "O homem que saiu do frio".
A narrativa de Rafael nos remete à nossa história de violências, como as lembranças das degolas, do papel autoritário herdado do castilhismo, com os governos Getúlio e Flores da Cunha, acusado das duas mortes, mas saindo-se ileso delas, com uma força policial dura, comandada por Poty Medeiros, como nos é mostrado na narrativa sobre o famoso comício da ANL em pleno Theatro São Pedro.
Outro fato muito bem explorado no livro é a relação de Paulo Koetz com amigos informantes da Polícia.
Não pense que as coisas giram apenas em torno do evento do Centenário, mencionado acima, há trepidantes emoções em vários casos policiais, como a morte da moça do sapatinho vermelho.
Além de apresentar o personagem jornalista como a encarnação do bom jornalismo de então, do lugar da crônica policial, seguimos o jornalista com seus dramas pessoais, suas frustrações, suas bebedeiras, como o baixo mundo e as profundas transformações que a cidade começa a vivenciar no período pré-1935.
Mais uma boa leitura.
Adeli Sell, professor e escritor