(Resenhando o Rafael Guimaraens)
Sim, Porto e agosto com acento circunflexo como era em 61.
É um livro do jornalista e escritor Rafael Guimaraens, autor de clássicos sobre a cidade e seus personagens, numa primorosa edição da Libretos, pelas mãos da Clô Barcellos.
Parece que tudo aconteceu em agosto de 61. Se não foi tudo, foram muitas coisas. Até a planejada vinda de Jânio Quadros, então presidente, que acabou não chegando aqui pois renunciara na véspera.
Se pararmos para ler com alguma atenção o Sumário saberemos que, como já disse, Jânio vem aí; que a capital está em transformação de província em metrópole, em plena guerra fria.
Vamos saber do confronto/conflito entre trilhos e pneus, muitos; carros e poucos navios (para uma cidade que sempre foi Porto); que estamos com inflação. Temos os primeiros lampejos da geração “bicho grilo”, com algumas histórias de sexo, drogas e rock and roll, mas tudo tímido ainda, mas para província com seus rapazes e brotos nas matinês, televizinhos com poucos aparelhos de TV, ainda em P/B. E temos a Legalidade, puxada pelo Brizola para dar posse ao vice João Goulart, vice de Jânio, que reiniciara.
O livro começa com o episódio do “Jânio vem aí”. O Viscount presidencial aterrissaria às 11h de sábado, 26 de agosto. Sim, mas não veio, pois renunciou no dia 25.
Em Porto Alegre, naquele agosto de 1961, Érico Veríssimo entregava na Globo (nossa Livraria e Editora de fama e grandeza nacional) os originais de “Arquipélago” completando a trilogia de “O tempo e o vento”, enquanto o popular Teixeirinha começava a gravar seu “Coração de Luto” e Maurício Sobrinho fazia Elis Regina ser sua contratada exclusiva do seu programa, gravando seu primeiro LP “Viva a Brotolândia”.
Brizola contra a vontade da oposição conseguia aprovar a criação da CEEE, agora em processo de privatização. Também encampou a Companhia Rio-Grandense de Telefonia, privatizada há alguns anos atrás.
(Quase) tudo aconteceu naquele mês. Rafael Guimaraens vai relatando acontecimentos após acontecimentos como a greve na Carris, sob mira de privatizações, sendo que seus servidores arrancaram um aumento de 27,5% em seus ganhos.
O porto local quase parou, colocando em pânico as autoridades.
O leite subira 35% turbinando a inflação. A situação local era grave que a 14 daquele agosto foi criado o Grupo de Trabalho contra a Fome.
A situação entre os servidores do Estado andava mal e Brizola ia alertando que poderia piorar. Deu aumento, mas se obrigou a parar várias obras.
No futebol, aos que são seus apreciadores, Rafael lembra como eram os jogos, as palavras usadas, muitas em desuso atual e os atuais torcedores jovens não conheceram.
Lembra alguns jogadores como o famoso Ortunho que duelava com o veloz Sapiranga. Quem conheceu o Sapiranga com mais idade jamais imaginara que aquele senhor gordinho que mancava fora tão famoso no Inter.
Sabemos também a história de “estreia” da famosa Terezinha Morango que mais tarde muitos vimos circular adoidada pela cidade.
O Bar Novidades, na Andrade Neves, como o Club dos Caçadores, não existem mais, mas foram marcantes no tema sexo, drogas, jogos e muito mais.
Por sinal, nas crônicas e história da cidade, uma das ruas que mais aprecem é a Andrade Neves.
Como havia já algumas liberalidades, havia os opositores e defensores dos tais “bons costumes”, como foi o caso do vereador Célio Marques Fernandes, fazendo o discurso do conservadorismo sempre presente na sociedade local. Depois, tornou-se prefeito.
Indicado pela ditadura e, segundo a maioria de nossos estudiosos, o pior prefeito de todos os tempos.
O rock importando chega ás rádios e nas matinês. Os rapazes ainda usavam glostora, e as moças queriam/deviam se casar. Sexo antes do casamento nem pensar, por isso como antes e agora em 1961 também havia os cabarés e assemelhados para os rapazes.
As matinês enchiam os cinemas e havia muitos pela cidade e acolhiam uma imensidão de pessoas, já que eram todos espaçosos: Liz Taylor, Paul Newmann estavam na grande tela.
Havia preocupação com a gazeta das sulas, colocando o tema para o Juizado de Menores, com ameaça de perda do pátrio poder pelas famílias.
Brizola prometeu Reforma Agrária, mas tudo andava lento por aqui: enquanto isto o Dom Vicente Scherer, chefe da Igreja Católica, fazia campanha contra, uma mancha na sua biografia, pois se envolveu em algumas atividades posteriormente como a “salvação” da Santa Casa, que lhe deram outra fisionomia.
Mas o fato mais marcante tem a ver com a não vinda de Jânio, o renunciante, pois da direita não queria a posse de Jango.
Indiscutivelmente o governador Leonel Brizola ao puxar a Legalidade não só marcou o mês de agosto de 1961 aqui como no país e continente afora, cuja pressão com ele foi crescendo, tendo que dar posse ao vice, mesmo sob novo regime, o parlamentarismo.
Porto Alegre, agosto de 61, de Rafael Guimaraens, é leitura fácil, breve, encantadora e necessária.
ADELI SELL é professor, bacharel em Direito, consultor e escritor