Sou formado em Letras. Fui professor de Literatura. Depois, passei anos afastado das leituras de romances e poesia, pois me foquei nas leituras de política, urbanismo e Direito.
Comecei a sentir um certo vazio. Voltei a reler alguns clássicos. E veio a vontade de saber como andava nossa literatura.
Descobri Tailor Diniz, Júlio Ricardo da Rosa e aí me toquei que havia algo errado. Estava desatualizado e me propus a ler nossos escritores.
Falei com professores e colegas dos meus tempos e verifiquei que quase todos estavam desatualizados como eu.
Em 2019, acabei virando Presidente da Frente Parlamentar de Incentivo à Leitura na Câmara Municipal e voltei a ter mais contatos com escritores e descobri uma penca de bons poetas, contistas, romancistas, cronistas. A AGES – Associação Gaúcha de Escritores – mostrou-me um vasto rol de grande figuras de nossas Letras, de novas editoras, abrindo-me novas portas.
Tomei vergonha na cara. Tanto que estou de volta ao tema da Literatura.
Neste vai e vem, redescobri velhos cronistas como Archimedes Fortini e Coruja, apesar de ter críticos que dizem ser um gênero menor. Não acho.
Há um grupo de escritores (as) negros (as), que pretendo, aos poucos, resenhar suas obras.
E aí vem a pergunta: haverá uma nova literatura? No Rio Grande do Sul? Em Porto Alegre? Nos anos 70 tanto aqui como no resto do país houve uma legião de grandes contistas, lembram?
Agora, descobri o José Falero. Comentei recentemente seu “Os Supridores” como um romance ousado, bem escrito, articulado e com personagens com incrível verossimilhança, algo essencial para caracterizar a grandeza de um escritor.
Não havia lido “Vila Sapo”. Eis que leio os seis contos e vejo não apenas a verossimilhança de seus personagens como um retrato do território, dos ambientes onde as ações se passam de forma magistral.
O prefácio de Evanilton Gonçalves – autor de “Pensamentos supérfluos: coisas que desaprendi com o mundo” apanha por inteiro a escrita de Falero. Eu não tinha achado a palavra acertada para caracterizar o autor de “Os Supridores”, e ele achou: prosador.
E diz: “Falero constrói um espaço aberto, imprevisível, onde cabe a linguagem coloquial, os regionalismos e também as construções mais formais.” Só acho que ele “não constrói espaço”, ela fotografa, talvez desenhe, pois soube que ele é desenhista, o locus que ele conhece como ninguém.
Seja no romance ou como neste livro de estreia de 2019, tudo soa natural. Ele sabe criar momentos de tensão que se descobrem hilários como o caso da Marcinha e do Ronaldo, a dupla juvenil que usa as “camisinhas” para uma guerra de água no ônibus passante. O leitor é levado a crer que os dois vão para um ato sexual com as tais camisinhas conseguidas depois de muita façanha, mas fazem uma “arte de guri”.
“Um otário com sorte” só pode ser escrito por alguém que pega bonde – no caso um ônibus que faz um das linhas do Pinheiro. É tão real que pensei em Machado de Assis falando do Rio de sua época, com as reflexões filosóficas não de um Bentinho, mas do “otário sem sorte”, com suas reflexões sobre o bem, fazer a coisa certa, refletir sobre o erro etc.
“Encontro de negócios” não chega a ter duas páginas, mas a história é vasta e o autor nos leva a construir o antes e o depois. Isto é de quem sabe bolar uma história de profunda reflexão. Aqui, me faz lembrar o Graciliano Ramos, enxuto, direto, sem rodeios.
E a violência não passa despercebida pelo atento prosador, pois em “rosa-bebê” a gente sente um clima de guerra, sem saber que guerra, a gente imaginando e pimba: massacre de um ser, uma bárbara morte, com direito a cenas de final dos tempos.
Em “dignidade-relâmpago” temos algo banal dos dias atuais, um sequestro, para pegar o carro, irem ao caixa eletrônico comprar com o cartão da pessoa sequestrada, dar um rolê. Fazem tudo isto e mais numa sequência de reflexões sobre poder, posse, ter/ser que nos remete ao livro “Os Supridores”. Quem pensa que pobre não pensa, errou feio.
Mesmo quando o autor brinca num dos contos com o “otário”, otários são estas personagens, pois acham que roubar e sequestrar são apenas um passeio para tomar umas que outras e fumar um baseado e tomar vento na cara. É claro que vai dar errado ao final de contas. O fecho é muito engraçado, coisas da vida na periferia.
Para quem conhece a Lomba, em especial o que eu sempre chamava de Viçosa, se nota o movimento, se enxergam as casas, as ruelas. E como uma planta viçosa nasce um escritor local, com tarimba, sem afetações, “na dele”.
A par dos romances e contos, penso nos livros do Rafael Guimaraens que buscam temas locais, históricos, sendo que nalguns como “Fim da Linha”, “O espião que aprendeu a ler”, “Tragédia da Rua da Praia”, o escritor pinça a História e constrói um ambiente que tenta se aproximar com bons diálogos do passado real. É um fenômeno nesta forma, neste gênero.
Sinto falta - ao largo destes autores que começam a aparecer com mais proeminência - de uma crítica literária como no passado. Já comentei este tema com o atual coordenador do Livro da Prefeitura, professor Sérgius Gonzaga, o qual com José Hildebrando Dacanal produziram muito nos meus tempos. Dacanal ainda anda publicando seus textos, mas não tive acesso a nada sobre os novos autores. Talvez faça alguma injustiça, pois como já disse estou de reingresso neste mundo.
Tivemos depois dos citados outra leva, da qual o Luís Augusto Fischer foi e continua sendo um bravo instigador.
Em nossos grandes jornais perdemos espaço de Cultura e Literatura, surgindo alguns jornais e revistas digitais, aos quais devemos começar a dar mais atenção. Mas estamos longe do velho Caderno de Sábado, do antigo Correio do Povo.
Sinto falta de publicações do IEL – Instituto Estadual do Livro – como da Editora da Cidade, que a Secretaria Municipal da Cultura promete trazer de volta.
Já aprendi que há vida literária no Sul.
Pronto para novas descobertas.
E saber se há uma nova Literatura?
Adeli Sell, escritor, professor e consultor.