Foi isto e muito mais: Teotônio Vilela.
O livro “Senhor República – a vida aventurosa de Teotônio Vilela, um político honesto”, de Carlos Marchi é daqueles textos que se lê sem parar pela escrita, pela leveza do texto e especialmente pela pessoa da qual se conta sua história.
O livro, além de falar e nos dar uma visão de quem foi o boiadeiro, nordestino, dono de Usina, senador da República, cobre, com precisão, os principais fatos ocorridos na política sob a ditadura militar - de 1964 em diante até a morte do senador, tomado pelo câncer em 1983.
“Quem é esse viajante
Quem é esse menestrel
Que espalha esperança
E transforma sal em mel?”(...)
Quem dos mais velhos não cantou esta canção toda? Fernando Brant a escreveu para a Fafá de Belém, mandou a gravação na voz do Milton Nascimento, e ela virou Hino das Diretas Já. Foi assim com Coração de Estudante, obra do Wagner Tiso e do Milton. Wagner fizera os arranjos do Menestrel.
No Menestrel tem uma parte falada, gravada pelo próprio Teotônio, na primeira versão:
“Esta música é a melodia do povo. Sinto-me dentro dela porque venho fazendo de minha vida o roteiro de liberdade. Sinto-a como qualquer cidadão, em qualquer recanto do país, como uma verdadeira oração e um apelo ao amor, à esperança, ao trabalho e à coragem.”
Coragem! Sim, foi preciso de muita coragem para romper com a velha ARENA, do inicial compromisso com o golpe de 64, transitar primeiro de boiadeiro para ser usineiro, para, então, de rico empresário para a luta mais encarniçada e ousada contra a ditadura militar, pela libertação dos presos políticos e pela anistia.
Curtido pela vida, pelos quilômetros de tocada da boiada, da travessia de rios em temos de enchente, de noitadas cantoria e muita cachaça, duas carteiras de Hollywood por dia, Teotônio parou de beber e finalmente parou de fumar, para poder viver um pouco mais a aventura da luta democrática radical.
Sim, radical foi ele quando nenhum político tradicional ia às greves do ABC, às masmorras das prisões, com dezenas e dezenas de presos políticos. Ter e articular a ideia de se reunir clandestinamente com a participação do delegado Romeu Tuma com Lula incomunicável na prisão não é coisa para qualquer político. E assim se reabriram as negociações de uma das mais longas greves de São Bernardo e região.
Teotônio era visceral, ousado, corajoso como ser humano e transportou tudo isto para o fazer da política.
Não tinha nível superior, como todos os seus outros irmãos, por isso foi ser boiadeiro. Largou a vida dura com os bois e cavalos para entrar nos cuidados do velho engenho da família, para dali romper com a tradição da queima da cana, do velho modo de ser e agir num velho engenho para montar uma moderna usina.
Começou na politica na UDN porque segundo ele juntava em seu seio os liberais. Mesmo sem ensino superior, afeito às cachaçadas e cantorias sem fim era um leitor voraz de clássicos, em especial dos liberais americanos, como de Locke e Adam Smith.
Parecia ser um nordestino tosco, mas era um ilustrado.
Acabou mesmo assim - com estas raízes democráticas e liberais - aderindo ao golpe, muito por conta da chamada “bagunça dos comunistas”, alguma semelhança com os dias atuais do Brasil não é sina, é preconceito e atraso mesmo.
Ele mesmo depois vai se aproximar a cada dia mais do PCdoB, como teve um amor tardio com a Maria Luiza Fontenelle, uma jovem cearense, amiga do Genoíno, militante do PRC, depois integrando o PT, para ser a primeira mulher prefeita de uma capital brasileira.
Teotônio saiu da velha ARENA, onde tinha muitos amigos, mas toda vez que falava sua própria bancada saia do Plenário para não ouvi-lo.
Só não foi cassado porque tinha ligações com próceres da ARENA que por sua vez tinham o aval dos militares, como foi o caso de Petrônio Portela.
Do Rio Grande do Sul foi amigo do senador Daniel Krueger da velha UDN para ser íntimo de Pedro Simon, que nos últimos dias de vida do Senhor República, doente e sem chances de melhoras, falou ao leito do senador alagoano que largasse da ideia de ser candidato a presidente da República, para ser o herói e mito que já era nas mentes dos lutadores pela democracia e do povo com quem se comunicava com uma linguagem singular que qualquer pessoa entendia.
O livro de Carlos Marchi é leve, mas denso de passagens da vida de Teotônio como da vida política do país.
De suas páginas aprendemos muito das profundas injustiças cometidas pelos generais da ditadura, em especial de Costa e Silva, autor do AI 5, da linha dura de Médici, de Geisel (que é desmascarado em certas passagens), da estúpida crueza e pequenez do General Figueiredo.
O livro pela ação de Teotônio nos traz uma visão dos porões de regime militar, da sociedade da informação, do SNI, dos DOPS, da OBAN e seus famigerados atores que não queriam abertura, nem democracia, para os quais Teotônio era não um liberal, mas um empedernido comunista.
O livro também é uma cutucada em nossa mente para refletir sobre a História, sobre a Política e sobre comportamentos.
Onde estão políticos na arena atual com a estatura de um Teotônio Vilela? Olhando para o Senado e para a Câmara de hoje, os velhos parceiros de ideias de Teotônio ainda na UDN ou na Arena não acreditariam que um Alcolumbre ou um Maia pudessem estar presidindo aquelas Casas Legislativas.
Que dirá se Teotônio Vilela pudesse ter um olhar sobre o Planalto onde enfrentou os ditadores de plantão, encontrar agora este presidente que o povo, por medo dos comunistas, elegeu?
A pregação de Teotônio pela unidade da oposição nos remete aos dias de hoje.
Portanto, ler o “senhor República” para mim acabou sendo um dever cívico, um dever com a verdade histórica, com a luta pela redemocratização da qual participei cantando Menestrel das Alagoas, Coração de Estudante e a canção de Vandré.
ADELI SELL é bacharel em Direito, consultor e escritor.