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Debate sobre manifestações em escolas lota galerias na Câmara

Com as galerias do Plenário Otávio Rocha lotadas, a Câmara Municipal realizou da tarde desta terça-feira (6/11), reunião conjunta das comissões de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (Cece) e de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) para tratar da pertinência de manifestações político-partidárias em escolas privadas da capital. O estopim da polêmica envolvendo alunos, pais, professores, diretores e entidades ocorreu após o registro de manifestação contra a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República nas dependências do Colégio Marista Rosário, em 29 de outubro. Um dia depois, estudantes a favor do presidente eleito também se manifestaram no colégio. 

Divididos em dois grupos distintos, pais, alunos, representantes de entidades e vereadores se revezaram na tribuna para defender ou rechaçar pontos ligados, direta ou indiretamente, ao projeto Escola Sem Partido, cuja discussão ocorre em nível federal. A presidente da Cedecondh, vereadora Comandante Nádia (MDB), que coordenou os trabalhos, destacou que a reunião foi organizada pelas duas comissões, a pedido de pais de alunos do Rosário, e não do presidente do Legislativo, vereador Valter Naglestein (MDB). “Circula nas redes sociais a fake news de que esta reunião foi montada pelo presidente da Casa, o que é mentira”, garantiu.

Como encaminhamento à reunião, Nádia sugeriu que os colégios proporcionem debates políticos qualificados, “não deixando que isso surja dos alunos, o que acaba gerando a segregação dentro das escolas”. Disse que o contraponto de ideias é fundamental, mas defendeu que o debate seja feito a partir da orientação pedagógica e plural da escola. 

Direita

Caio Augusto Scocco, representante do Movimento Rosário Sem Partido e pai de alunos de 4 e 7 anos matriculados no colégio, afirmou que, durante a manifestação do dia 29, crianças tiveram o direito de transitar cerceado pelos alunos que vestiam preto. “Hoje, são as crianças que não participam de movimentos que sofrem censura, pressão e bullying de seus colegas. As escolas estão dominadas por pessoas que querem manipular a forma de pensamento dos outros e não toleram quem pense o contrário.” 

Claudia Frutuoso disse que sua filha foi impedida por um coordenador do Rosário de andar com a bandeira do Brasil e cobrou da direção que algo seja feito com relação às provas de que professores lecionam com camisetas partidárias. “Não queremos que haja abstenção do debate político nas escolas, mas que seja feito de maneira plural e não unilateral como está ocorrendo. Queremos que o artigo 192 do Regimento Interno da escola, que não permite manifestação partidária dentro do colégio, seja respeitado. Temos que acabar com essa estratégia socialista.”

A mãe Karen Rosane da Cunha disse que, “quando um pai entrega um filho à escola, entrega um HD em branco para o professor programar”. “Nós nos calamos por muito tempo e, se hoje temos todos estes jovens se manifestando, é porque não estávamos atentos ao que acontece dentro das escolas.” 

Marius Quiróz, do movimento Minha Família, afirmou que professores estão fazendo doutrinação ideológica em sala de aula. Ao garantir que a esquerda está em extinção, parte das galerias começou a gritar “fascista”. “Para um liberal, ser chamado de fascista é um elogio.” 

Paula Cassol, do movimento Escola Sem Partido, afirmou que o projeto, “só por ter fomentado o debate, já ganhou a causa”. Disse ainda que o método do pedagogo Paulo Freire é usado para doutrinar as crianças contra os pais. “Quem nega que há doutrinação são os mesmos que querem impedir que os pais saibam o que os professores estão fazendo em sala de aula. Dentro da sala de aula os alunos estão sendo lobotomizados. Que seus filhos filmem os professores sim, porque estes canalhas não vão roubar as mentes dos nossos jovens.” 

O vereador Professor Wambert (PROS), que tem dois filhos estudando no Rosário, destacou que “a vigilância” é para que as crianças e jovens “não virem fantoches e massa de manobra”. “O que enxergo é um show de hipocrisia. Estamos cansados de ser vítimas de professores abusadores. O conflito dos adultos está invadindo a sala de aula. Não quero meus filhos discutindo sobre coxinhas ou petralhas na sala de aula. Quero que eles aprendam português e matemática.”

Ao ler um trecho de uma passagem de Karl Marx, o vereador Felipe Camozzato (NOVO) defendeu que a liberdade não deve ficar nas mãos do Estado. “A liberdade que eu entendo defender é diferente da liberdade do PSOL. Liberdade é as escolas poderem definir qual será seu currículo, é a extinção do Ministério da Educação, é os pais ensinarem o que quiserem em suas casas. Os indivíduos têm que ter o direito de escolher o que eles querem.”

Esquerda

Ao lembrar da ocorrência de atos contra e a favor do presidente eleito, Jorge Terra, pai de aluna do Rosário, disse que não há problema de os alunos se manifestarem de forma político-partidária dentro do colégio. “Minha filha não precisa que alguém a doutrine, porque ela tem condições de ter opinião própria. A Constituição afirma que a educação é direito de todos e é um preparo ao exercício da cidadania.”

Jaqueline Mesquita, mãe de estudantes do Rosário, contestou a afirmação de que alunos teriam tido o direito de transitar pela escola cerceado no dia 29. ”Em nenhum momento alunos ficaram presos nas salas ou nos corredores e não houve contenção física dos contrários à manifestação. Estes, inclusive, se manifestaram no dia seguinte e é esta pluralidade que defendemos.” Ao afirmar que alguns pais pediram a retirada de alguns livros da biblioteca do colégio, Jaqueline disse que os professores estão perdendo a serenidade para lecionar. “Alunos estão sendo levados para as escolas para gravar aulas, o que é inconstitucional porque fere a propriedade intelectual. Ou reconhecemos que os jovens pensam por suas próprias cabeças ou acharemos que tudo se trata de doutrinação. Meus filhos não foram para a escola como um HD em branco. Foram com valores de pluralidade, respeito aos outros, e igualdade.” 

Caroline Araujo, mãe de aluno transexual de 12 anos, disse que sua preocupação não é com doutrinação, é saber se o filho voltará vivo para casa. “Na escola há cerceamento de expressão. Meu filho já sofreu ameaça de morte e de estupro por conta da falta de discussão do tema. Ninguém quer ensinar sexo para as crianças, mas queremos que a criança tenha conhecimento do seu corpo e faça suas próprias escolhas. Ideologia de gênero não existe. Gênero é estudo, é vida, é a manutenção desta vida.” 

A presidente da União Metropolitana dos Estudantes Secundários de Porto Alegre (Umespa), Vitória Cabreira, destacou que as manifestações estudantis não começaram agora. Ao citar atos que ocorreram em escolas públicas e privadas da capital envolvendo outros temas, defendeu a liberdade de expressão. “Os estudantes sempre se organizaram e foram linha de frente. Temos capacidade de entender o que é certo e o que é errado. É normal que nem todos concordem comigo, mas temos o direito e vamos continuar nos manifestando porque não há problema nisso. Não estou aqui para defender um ou outro. Cada um defende o que quer, mas a gente precisa se respeitar.”

A diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro), Cecília Farias, afirmou que o projeto Escola Sem Partido afeta os professores, a docência e a forma de trabalhar, restringindo a pluralidade de ideias, a liberdade de cátedra e o direito de se expressar. “Não temos nas escolas privadas professores doutrinadores. As manifestações que ocorreram foram exclusivamente de alunos. Nesse processo, quem sofreu foram os professores. Vocês não imaginam a quantidade de professores agredidos. Na escola privada, o professor se concentra no processo pedagógico. A escola pode demiti-lo a hora que quiser. O que está acontecendo é uma farsa.”

O vereador Marcelo Sgarbossa (PT) defendeu que a escola se mantenha como um lugar de debate plural. “É lógico que um professor não pode fazer propaganda partidária e, infelizmente, o projeto se chama Escola Sem Partido, porque quer mordaça. A Câmara, por exemplo, é um espaço em que é possível ter diferenças ideológicas, mas isso não significa que somos inimigos porque discordamos e pensamos diferente. E a escola é um lugar para este tipo de debate também.”

O vereador Professor Alex Fraga (PSOL) disse que a política foi criada para mediar conflitos e que é preciso buscar o entendimento, mesmo que seja difícil. “Lamento que pessoas digam que professores tentem roubar o cérebro de seus filhos. Provavelmente devem ter tido o cérebro roubado e hoje são vazias por dentro. Quem diz que Paulo Freire é comunista nunca leu um livro dele, ou não sabe o que é comunismo, ou as duas coisas.” Conforme o vereador, Paulo Freire busca a educação através da dialética e do diálogo, valoriza o que os alunos levam para a sala de aula, mesmo sendo contraditório, e respeita os múltiplos pontos de vista. 

Também participaram da reunião os vereadores Adeli Sell (PT), Aldacir Oliboni (PT), Alvoni Medina (PRB), Cassiá Carpes (PP), Dr. Thiago (DEM), Fernanda Melchionna (PSOL), João Bosco Vaz (PDT), Mauro Pinheiro (REDE), Mauro Zacher (PDT), Mendes Ribeiro (MDB), Mônica Leal (PP), Reginaldo Pujol (DEM), Roberto Robaina (PSOL), Tarciso Flecha Negra (PSD), presidente da Cece, e Valter Nagelstein (MDB), presidente da Câmara.

 

Texto: Cibele Carneiro (reg. prof. 11.977)
Edição: Marco Aurélio Marocco (reg. prof. 6062)