COLUNISTAS


Diógenes Júnior - Livres mesmo que no cárcere

A cidade de Porto Alegre, assim como o restante do país, segue lutando contra a pandemia gerada pelo vírus Corona.

Uma de nossas armas, a que se mostra a mais eficiente, é o isolamento social.
O confinamento dentro de nossos lares.

Entre os vários desafios que se apresentam enquanto isolados, manter a serenidade, manter a sanidade enfrentando muitas vezes a solidão, a saudades dos amigos e parentes, aceitar a quebra das rotinas às quais estávamos há tanto tempo acostumados são de uma complexidade e de um grau de dificuldade muito além do que esperávamos um dia enfrentar.

Até porque, vamos combinar, jamais esperávamos enfrentar um inimigo tão perigoso e mortal.

Jamais imaginamos que um dia estaríamos reféns, em nossas próprias casas, lutando contra a maior crise sanitária de nossa era.

Certamente que estamos enfrentando o maior desafio de nossas vidas. 

Uma das maneiras às quais muitas pessoas encontraram para manter a sanidade mental nesse período foi promover um reencontro com a leitura, com a música, com os filmes, com os livros e com a poesia.

"Recitar versos nunca foi um dos meus hábitos,
mas agora, na prisão, que me resta mais fazer?
Esses dias de prisão vou passar escrevendo poemas,
e o seu canto trará mais depressa o dia da liberdade."

Estamos todos cativos dentro de nossos lares, mas é assim mesmo que deve ser.
É para nosso próprio bem que assim devemos permanecer.

Parece uma ideia estranha, um pensamento contraditório, mas a verdade é que apenas o isolamento social tem se mostrado eficiente na luta contra o vírus Corona.
Devemos permanecer em nossos lares.
Isolados, mas com o pensamento livre.
Nossa imaginação nos levando onde desejaríamos estar, fazendo o que gostaríamos de fazer.

Assim como foi há não muito tempo.

"Cantar a natureza era o prazer dos antigos
flores e neve, luz e vento, montanha e rios.
É preciso armar de aço os versos de nosso tempo
E o poeta também deve saber combater."

A pandemia irá passar, é evidente que passará.

Em breve, a depender de nós mesmos, a depender de como estamos encarando as normas de isolamento, em breve poderemos retomar nossas rotinas.

Embora eu acredite que jamais seremos aquilo que um dia fomos, inclusive como cidade.

Mas toda mudança é, de alguma maneira, traumática.

A pandemia, que tem cerceado nossa liberdade, modificará para sempre a maneira como vemos o mundo, como vemos nosso próximo, e sobretudo, como vemos a nós mesmos.

Acredito que poderemos reescrever nossa história, a partir de nossas experiências.
Quem sabe nesse momento, de epidemia e isolamento, consigamos definitivamente nos reencontrar conosco mesmo?

"Mesmo com as pernas e braços fortemente amarrados,
por toda montanha eu ouvi o canto dos pássaros,
e senti através da floresta o perfume das flores da primavera.
Quem me impede de fruir livremente isso,
que tira da longa jornada um pouco da solidão?"
Ho Chi Min

 



Diógenes Júnior é escritor, técnico em Informática e acadêmico em História. Paulistano de nascimento, caiçara de coração e porto alegrense por opção, escreve para essa coluna às segundas-feiras.