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Laura Sanchis - A importância das negociações extrajudiciais durante a pandemia

Não deixe de tentar renegociar suas dívidas diretamente com o credor.

 

 

Dentre as notícias jurídicas relacionadas a Covid-19, certamente a que mais vemos é sobre a revisão de contratos em virtude da impossibilidade de pagamento: em contratos locatícios, para serviços de operadoras de telefonia ou em serviços educacionais, por exemplo.

Recentemente, o site Migalhas publicou notícia sobre a decisão publicada em 14.06.2020, proferida pelo Desembargador Campos Petroni, da 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedendo liminar para autorizar a redução de 30% no valor da mensalidade de curso superior.

A ação foi para reduzir o valor em 50%, cujo pedido foi negado pelo juízo de origem. A parte recorreu e, então, obteve êxito para redução no percentual de 30% e pelo prazo de 60 dias. Na mesma decisão determinou que a parte deverá, imediatamente após o referido prazo, realizar a quitação da diferença dos valores pagos a menor.

O que me questionei primeiramente foi a eficácia dessa decisão, pois as chances de conseguir quitar imediatamente o valor após o exíguo prazo de duas mensalidades talvez seja pequena para quem teve seus rendimentos reduzidos pela pandemia.

Em um segundo momento - e é aqui onde quero chegar, é sobre a importância de que não se entendam tais decisões como regra para qualquer pedido nesse sentido. Em que pese, criem, felizmente, um precedente para a possibilidade de desconto, o próprio Código Civil e Código de Defesa do Consumidor autorizam a readequação dos contratos em situações cuja a impossibilidade do pagamento ocorra por situações imprevisíveis para o devedor.

Por esse motivo é que me parece mais prudente a tentativa da renegociação pela via extrajudicial e, quando falo em extrajudicial, digo, primordialmente, por meio da notificação extrajudicial - infelizmente pouco utilizada, apesar de fundamental, principalmente em tais situações.

Se você notificar a empresa justificando o pedido, comprovando a redução dos rendimentos e propondo, com o devido amparo da documentação, o valor que pode de fato adimplir, poderá ter resultados melhores que a decisão acima. Se justificar a impossibilidade do pagamento, poderá, inclusive, apresentar pedido de suspensão dos efeitos do inadimplemento (não pagamento) das parcelas.

Evidentemente que isso dependerá de quem é o credor e por tal razão é que, quando se tratar de grandes empresas - em que o desequilíbrio das partes é nitidamente maior, as chances de êxito também serão maiores para o consumidor.

No mais, ainda que não seja possível pela via administrativa - através da notificação, certamente, diante da sua negativa, ao propor a ação judicial, as chances também serão maiores e o devedor demonstrará estar agindo de boa-fé, exatamente como determina o art. 422 do Código Civil: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Outra decisão bastante comentada no Rio Grande do Sul foi a proferida pela Juíza Debora Keeblank, da 15ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, na Ação Civil Pública proposta pelo Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, pedindo, em caráter liminar, a proibição do corte de telefone pela falta de pagamento. As operadoras Vivo, Claro, Tim e Oi recorreram e obtiveram a suspensão dos efeitos da liminar concedida.

A suspensão dos efeitos significa que, numa primeira análise, o Desembargador entendeu não ser possível a manutenção da decisão que concedeu a liminar inicialmente, sob o fundamento de que tais empresas não podem operar sem a contraprestação do consumidor, na realização do pagamento.

Contudo, tal decisão não impede, em absoluto, que, de acordo com o caso concreto, individualmente se postule a proibição da falta do corte de telefone, inclusive tendo o Desembargador da 17ª Câmara Cível do TJRS assim referido ao final: "Ressalto, ademais, que a presente decisão não prejudica a interposição de eventuais pedidos individuais relativos à suspensão do pagamento das faturas em razão da pandemia, a serem analisados casuisticamente".

Como se vê, ao que parece a tendência mais óbvia é a análise caso a caso e, para tal, como melhor alternativa para a parte, se faça um pedido de renegociação administrativo embasado pelos motivos pelos quais se pretende a suspensão ou diminuição do valor da parcela, previamente ao propor a ação judicial.




FONTES:

Notícia sobre a redução da mensalidade de curso superior: https://www.migalhas.com.br/quentes/328784/faculdade-deve-conceder-desconto-de-30-na-mensalidade-em-razao-da-pandemia


Decisão que concedeu a liminar para autorizar o desconto, pelo TJSP: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/6/BF13FA5BC96107_tjsp.pdf

Notícia sobre a proibição do corte de telefone por falta de pagamento, pelo TJRS: https://www.osul.com.br/justiça-gaucha-proibeocorte-de-servicos-de-telefoniaeinternet/

A decisão que suspendeu os efeitos da liminar concedida pela Juíza da 15ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre pode ser conferida através do Agravo de Instrumento de nº 5011984-85.2020.8.21.7000.


Laura Sanchis é advogada, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção do Rio Grande do Sul, sob o nº 120.485. Formada em Direito pelo Centro Universitário FDERGS. Pós Graduanda em Processo Civil pela Verbo Jurídico. Advogada parceira do INARF - Instituto Nacional de Repressão à Fraude. E-mail: laurasanchisadv@gmail.com ou contato@sanchisadv.com.br