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Paulo Ricardo Suliani - Sobre o acordo de não persecução penal em ações penais privadas

Inicialmente, é importante destacar a inevitável tendência de agregamento de institutos da common law ao sistema jurídico brasileiro, notadamente, no que aqui pertine, os vinculados a uma negociação entre as partes (autor e vítima ou autor e agente do Estado) para sustar o desencadeamento de um processo penal.

 

A ideia de uma justiça consensual que busca reparações de danos está presente nas mais recentes e inovadoras alterações legislativas. Desde o advento da conciliação, transação e suspensão condicional do processo, perpassando a colaboração premiada, chegou-se ao novel acordo de não persecução penal, pelo qual o órgão acusador e autor do fato firmam termos para evitar a propositura da ação (e todos os seus malefícios).

 

Recentemente, sobreveio a lei n.º 13.964/19, trazendo ao processo penal esse último instituto, com clara inspiração no plea bargain do sistema norte-americano. O atual 28-A do Código de Processo Penal permite haja acordo com o titular da ação penal para os delitos com uma pena mínima (em abstrato) inferior a quatro anos, sem violência ou grave ameaça, desde que – em linhas gerais – haja cláusulas de confissão, de reparação do dano, renúncia de bens e direitos, prestação de penas restritivas de direitos, ou, ainda, de uma outra condição (sem previsão no tipo penal) a critério do órgão acusador.

 

Sucede que, a despeito de, em uma primeira análise, parecer não ter sido expressamente considerada pelo legislador a hipótese de cabimento de acordo de não persecução em uma ação penal privada (“o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal”), parecem oportunas algumas considerações sobre esse tema a partir de uma interpretação sistemática da atual ordem jurídica.

 

Com efeito, a jurisprudência tem considerado cabível o oferecimento de propostas de suspensão condicional do processo e transação penal também pelo querelante, e não apenas pelo parquet. Nesse sentido são esses arestos do STJ, v.g.: APn 634/RJ (Corte Especial), HC 147251/BA (Sexta Turma) e RHC 102381/BA (Quinta Turma).

 

É que, em se tratando de opções válidas previstas pelo legislador a título despenalizador, não há razão para se as excluírem de determinadas ações penais apenas em razão da sua titularidade, até mesmo porque podem ensejar benefícios não apenas aos acusados, tutelados pelos brocardos da ampla defesa e do devido processo legal, como também à vítima (reparação do dano) e ao Estado (assoberbado com o excesso de demandas).

 

Naturalmente, nas hipóteses de cabimento de conciliação, reconciliação, sursis processual e acordo de não persecução, é necessário sempre se oportunize a composição do conflito porque prioritário desejo da sociedade que busca evitar as mazelas do direito, do processo e da execução penais, restaurando-se, de logo, os danos havidos com o(s) delito(s), e ensejando maior celeridade, eficácia e eficiência de tutela legal, até porque a retribuição de um mal por outro mal (uma das supostas funções da pena) não é o objetivo primordial da comunidade que vislumbra um presente e um futuro civilizatório e racional.

 

Dito isso, é corolário lógico que, como se compreendem cabíveis, em ações penais privadas, tanto a transação penal, quanto o sursis processual, pelas mesmas razões deve-se encampar o acordo de não persecução penal aos delitos, exempli gratia, de injúria, calúnia, difamação, esbulho possessório, dano qualificado, introdução ou abandono de animais em propriedade alheia, fraude à execução, induzimento de casamento em erro, exercício arbitrário das próprias razões, concorrência desleal, dentre outros.

 

De todo o modo, não é de se olvidar a pertinência da análise, pela defesa técnica, da viabilidade da aceitação de composição no caso concreto, inclusive mediante o estudo da justa causa e da prova que porventura venha a ser produzida, pois a instrução processual pode ser o caminho natural para uma absolvição, rejeitando-se, então, qualquer restrição no campo de direitos do acusado a título de acordo despenalizador.

 

Parece indispensável também se prestar atenção à um possível maior benefício de um acordo de não persecução penal ao invés da suspensão condicional do processo (art. 89 da lei n.º 9.099/95). É que, a rigor do art. 28-A, § 2.º, inc. III, do Código de Processo Penal, não é cabível o “plea bargain à brasileira” quando tenha havido sursis processual nos cinco anos anteriores, não sendo verdadeira a recíproca; isto é: a aceitação de acordo de não persecução penal não impedirá, em outra oportunidade, a suspensão condicional do processo. Por isso soa necessário não se excluir do acusado o direito de vislumbrar qual proposta (sursis ou plea bargain) ser-lhe-ia mais benéfica.

 

Por fim, não é de se olvidar que o negócio a ser entabulado encerra sempre a ameaça de um processo e de uma pena como coação para uma mera adesão ao negócio proposto pelo querelante ou pelo ministério público, o que enseja também a necessidade de controle jurisdicional (à luz do in dubio pro reo, da legalidade, e do nulla poena sine iudicio) garantidor de um maior equilíbrio de condições de negociação, determinando, de antemão, se há uma condição prévia (justa causa a uma eventual ação penal) e, ao depois, outra concomitante às tratativas (excessos ou insuficiências nas cláusulas propostas – tutelando os direitos do autor do fato e da vítima/querelante).

 

Em suma, se o objetivo dos institutos despenalizadores é evitar demandas desnecessárias ou consideradas dispensáveis, não há razão para se os excluirmos apenas em razão da titularidade da ação penal, notadamente a partir do atual espírito consensual do sistema jurídico vinculado à ideia de uma sociedade madura.

 

 

Paulo Ricardo Suliani

Advogado e professor. Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e especialista stricto sensu em Direito Penal e Direito Processual Penal (Uniritter), paulosuliani@gmail.com.