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O que podem os municípios em tempos de Corona (Adeli Sell)

Os prefeitos estão sujeitos à Constituição e às normas gerais, cabendo propor medidas de interesse local, sem confrontar princípios e normas vigentes.

Os municípios, depois da Constituição de 1988, adquiriram um status no desenho organizacional da Administração Pública antes não havido.

A Constituição proporcionou ao Município a posição de entidade estatal integrante da Federação, com corpo político-administrativo, dotado de autonomia política, administrativa e financeira. Esta é a marca peculiar da entidade Município desde então.

A Constituição não especifica que este seja um ente federativo, como são os Estados.

A base constitucional é a sua autonomia e esta está assegurada nos artigos 18 e 19 da Constituição Federal. Passaram, assim, os Municípios a ter o poder de auto-organização, ao lado de governo próprio e de competências exclusivas, ou seja, o Município tem capacidade plena de autogoverno e competência normativa própria.

Dentre estas possibilidades está a normatização da educação, cultura, ensino e saúde no que tange à gestão destes serviços em âmbito local. Cabe ao Município determinar horários de funcionamento em geral e, por vezes, restritivos a certas regiões da cidade.

Este debate é fundamental no momento em que prefeitos afrontam de um lado normas gerais de órgãos federais e outros que extrapolam as ações de seu âmbito de circunscrição.

Afinal, o que pode e o que não pode o Município fazer?

Dado à pandemia, o ente local antes de desenvolver normas sanitárias, deve observar as recomendações da Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde, ANVISA, criando um “locus” seu, municipal, com outros princípios que venham a afrontar as que estes órgãos emanam. Porém, pode o ente local restringir normas gerais sempre que o interesse local se manifestar e se impor àquelas. Caso uma cidade tiver um índice de contaminação bem superior à média estadual ou nacional, sempre que houver uma letalidade grande e os dados vindo num crescendo, o prefeito pode ampliar o prazo de quarentena, bem como restringir circunstancialmente o acesso ao comércio e aos serviços não essenciais.

O prefeito pode baseado no princípio da precaução (originário do Direito Ambiental) pautar regramentos. Ao não levarem em conta a precaução diante do coronavírus, ainda desconhecido em muitos aspectos (apesar da letalidade havida numa cidade chinesa), a Itália e a Espanha por desdenharem este princípio básico estão colhendo os infortúnios da pandemia.

Repetimos, o princípio da precaução pode nortear e gerar restrições mais rígidas em nível local. Ele por si só poderia ser aplicado de forma muito severa nos três níveis da Federação pelo fato da Covid-19 ainda não ter vacina nem medicação garantidas.

Além disso, o prefeito poderá se valer do princípio da prevenção – pois, mesmo ainda não totalmente conhecido, mas com dados da OMS – tem para si a responsabilidade de fazer as barreiras sanitárias mais adequadas à realidade local.

Estão, portanto, equivocados os prefeitos que afrontam as normas gerais, cometendo crime de responsabilidade, bem como provada a infecção de pessoas devido à leniência de suas ações, como em alguns casos de incentivo a aglomerações, pode responder pelos crimes estabelecidos do Código Penal nos artigos 131 e 132 (disseminação de doença infecto-contagiosa).

Para provar nossa tese, por outro viés, dois municípios do Rio de Janeiro usaram um Fundo local, para socorrer um terceiro município na pandemia.

Se em nosso país fossem seguidos os ditames do Estado de Direito, o presidente seria processado pelas posições alardeadas em rede nacional e pelos “passeios” realizados, em confronto com as recomendações da OMS, como também vários prefeitos deveriam no próximo período estar em Tribunais respondendo processos, assim como empresários de alto quilate.

 

 

Adeli Sell é professor, bacharel em Direito e vereador de Porto Alegre.