ARTIGOS


O ESPIÃO QUE APRENDEU A LER

  • Reflexões sobre o livro de Rafael Guimaraens, por Adeli Sell

Eu lera sobre Hans Curt Meyer Clason movido pela razão das memoráveis traduções de autores brasileiros para o alemão e a correspondência com Guimarães Rosa. Lera também que teria morado por aqui. Mas não poderia imaginar que tipos de andanças fez por Porto Alegre e pelo Brasil, como não soubera da prisão sob acusação de espião nazista, pelo delegado do DOPS, Plínio Brasil Milano. Sim, aquele que nomina uma via pública na capital.

Que ele foi espião e prestou informações a pessoas da cúpula nazista é claro nas pesquisas realizadas pelo Rafael Guimaraens. Mas as tendências políticas não são tão evidentes. Era antes de tudo um "boa vida", um conquistador e até um bom comerciante.

Nazista ou não, amargou "bons” anos de prisão; começando com a prisão em Porto Alegre e parando na Ilha Grande no Rio, onde conheceu o homem que fez ler: Gert von Rhein, ou melhor, Geraldo.

Neste livro aprendemos também um pouco mais sobre nossa polícia em geral, em especial sabemos mais da figura ímpar de Plínio Brasil Milano que, falecido aos 36 anos, deixou marcas na história da Polícia local, como vanguardista no ensino da área e das técnicas investigativas, sempre condenando os maus tratos.

Eu diria que Rafael Guimaraens traça ao lado do perfil de Curt Clason o do delegado Milano, distinto e diferenciado.

Mais uma vez temos o prazer de apreciar a grande marca do escritor- a narrativa - não só de histórias marcantes como de uma visão de Porto Alegre e do Brasil daquela época. Além disso, tem-se uma ideia clara das visões politicas em disputa. O autor não faz nem aqui nem em outros escritos uma defesa desta ou daquela posição, mas a forma de narrar, os fatos que aponta, dá ao leitor a condição de tomar lado.

O Espião que aprendeu a ler é, a par disso tudo, a história de uma personalidade - Curt Clason - como referida. Temos diante de nós um sujeito real que vai de boa vida a um dos grandes intelectuais e tradutores do século passado.

Longevo, Clason morreu pouco antes de completar 102 anos com sua esposa e as duas filhas na Alemanha, contradizendo sua vida pregressa de boa vida.

E se pudesse sugerir ao autor diria que ele deve continuar nos apresentando um volume que vasculhe e trate da vida de nossa personagem depois da sua saída da prisão e sua formação de grande tradutor.

Enfim, retomar a história a partir de Gert (Geraldo) - aquele que o iniciou "no ler" - daria uma boa continuação.