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Notas sobre resiliência & outros temas (Adeli Sell)

Resiliência é uma palavra muito falada e pouco praticado o que ela significa.

Virou modismo como falar em "coaching" e “compliance”.

Está virando uma repetição, como tudo parece virar modismo na era da pós-verdade, da soberania momentânea do facebook.

Alerto que vanguarda e modismo são coisas separadas por uma cratera. O que hoje é vanguarda tende a ser perene, o que for modismo tende a desmanchar no ar.

E esta nossa paixão por neologismos e estrangeirismos pouco nos ajudam nas reflexões seguras e profundas.

Quero que este papo gere dúvidas E que ironicamente possa testar o espírito resiliente do leitor, caso ele ainda o tenha.

Leio notas "fake" sobre falas nunca faladas por Márcia Tiburi. Leio fakes e fakes que de cara sei que são mentiras, mas que gente que deveria saber disso reproduz como máquina de fazer pipoca em cinema.

Cortes, enxertos, citações fora do contexto, coisas aberrantes fabricadas a peso de ouro e reproduzidas por robôs são despejadas sobre nós.  Reproduzir, fazer barulho , xingar berrando, despejando palavrões por todos os lados só aumenta a intolerância.

Volta à roda. Não pira. Tome um café. Convide alguém para ir a um boteco. Faça uma roda de mate na Praça da Alfândega, para enfrentar a sua solidão e a da praça também.

Tem gente que não sai do facebook e perde a noção da realidade.

Lembro-me da bela música dos Titãs, um trechinho para curtir:

‘Devia ter amado mais

Ter chorado mais

Ter visto o sol nascer

Devia ter arriscado mais e até errado mais

Ter feito o que eu queria fazer

Queria ter aceitado as pessoas como elas são

Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração’

Por isso, digo ao nosso prefeito: “menos face; mais street.” Saia do seu mundinho virtual e encare a realidade que você prometeu mudar.

Não queremos que você seja um ser sobrenatural. Natural é sair do facebook e encarar as ruas, escutar, falar, tomar atitudes, fazer.

O ocupante do Paço sim poderia contratar um “coach”, reciclar-se, para ser um ser normal, uma pessoa resiliente, coisa longe de ser.

Aos analfabetos de todas as ordens lecionaria: “menos face, mais book”, como insisti um professor meu.

Não só livros ilustram e constroem pessoas, mas como os programas da mídia estão deseducando, vamos aos livros.

A ironia, a brincadeira, a jocosidade animam ódios nunca antes vistos.

Leiam uma tragédia grega e inevitavelmente vocês vão refletir sobre o seu dia a dia. Quem não reflete e não estuda o passado, não pode entender o seu presente, muito menos construir algo no futuro.

Por que este ódio por todos os lados? De onde vem esta doença generalizada?

A comunicação não violenta não está em livros de autoajuda. Isso respeitosamente é empulhação. Mas há quem goste. É como a leitura da Bíblia feita por certos “pastores”. Devemos alertar os leitores, mas xingamentos jamais. Com eles é salutar a paciência. Mostrar que há parábolas, que certos textos não podem ter uma leitura nem linear muito menos literal.

Chavões tanto da esquerda quanto da direita não jogam luz sobre a ignorância.

Apenas aumentam o manto de breu que serve de venda sobre nossos olhos.

Escutar é algo mais que ouvir. Qualquer um consegue ouvir. Mas poucos conseguem escutar.

A paixão e o amor são notáveis atributos humanos. Mas podem gerar processos doentios que a psiquiatria necessita ser acionada.

Ser resiliente é olhar o Outro a partir do respeito, do valor da sua existência e de colocar-se em seu lugar.

Não admitir a prisão perpétua nem a pena de morte dá ao Brasil uma condição mais humanitária que os EUA, neste ponto fomos mais resilientes que eles.

Mas cá como lá não se apagam as mortes, sejam as banais - se isso fosse  possível - como as praticadas pelo aparelho violento do Estado, das chacinas feitas pelos senhores do tráfico ou seus mandantes. Isto não nos autoriza a propor matar a todos (as) como alguns propõem na atualidade.

Voltando ao tema da linguagem ou comunicação não violenta... Em qualquer lugar deveríamos usar as palavras de forma adequada para que o outro não se sentisse espezinhado. Cuidado: palavras podem ferir profundamente. Deixar cicatrizes.

A grenalização da vida é penosa. Dramática. Aqui, no Rio Grande do Sul, as degolas de 1893 como as brutalidades da Revolução de 23 deveriam ter-nos ensinado que a guerra é sempre um mal.

Há os que se esquecem dos amigos de ontem. Com eles poderia ser salutar tomar  um café e ter um papo descompromissado, até para ver porque mudou, em que mudou. Por que o rebelde de maio de 68 virou coxinha¿ Por que aquele “metido a besta” do passado virou um sujeito sereno, atencioso, preocupado com nossa geração, que agora está na “vibe” naturalista¿

Mas muitas vezes você fala que não dá, não  tem tempo nem paciência.

Sou da opinião que devemos topar, em princípio,  debater qualquer tema com qualquer interlocutor. Claro, resiliência é avisar quem são os convidados para certos encontros. Você pode ser um sujeito calmo, aberto e resiliente, mas certos interlocutores não são. E para isso você tem o direito de se preparar ou em alguns casos não participar.

Claro, se o provocador no debate ameaça e passa dos limites do tolerável o deixar falando sozinho pode ser uma boa.

Pessoas resilientes não são egoístas nem tem ego inflado. Tem paciência para escutar e calma para explicar diferenças.

Não me convidem para guerras. Estou fora da pancadaria nas redes, mesmo quando me ofendem. Já fiz muitos "baixar a bola", dialogando, pois um irado pode voltar ao “natural”, ser um sujeito resiliente. Já judicializei ofensas e ganhei. Farei isso mais vezes quando a conciliação e mediação não resolverem.

O Direito que busca a Justiça é o caminho para evitar a guerra.

Enticar ou dar "letrinha" para tirar o Outro do sério é abjeto. Só “entorna o caldo”.  Comprar provocação é atestado de pobreza moral.

A moral e a boa fé subjetiva são atributos personalíssimos e devem estar somados à conduta ética e a boa fé objetiva que são construções sociais.

Hoje em dia o exibicionismo, a exposição de tudo e de todos, este estado de permanente hedonismo não é real. Ninguém é assim e ninguém vive assim. Nem todos os dias são dias de alegria. Tem momentos em nossas vidas que sofremos.

O lado risonho, único, permanente, feliz, maravilhoso do facebook é uma grande farsa.

Ao lado da mãe ou do pai em alegre festa é bacana mostrar. Mas há momentos que aquele que humano for estará pensativo e triste olhando seus pais pela finitude que nos açoita a mente quando eles chegam a uma certa idade.

Não compre qualquer versão que lhe passam.  Por mais que seja “aquela” pessoa, ela pode errar, exagerar, ter problemas que não aparecem.  E aí você perde um amigo ou estraçalha uma relação e por isso o efeito Orlof vai lhe dor de cabeça amanhã.

Pensar dói.  Construir a resiliência dói também.

Mas o alívio trazido por este analgésico é certo e seguro.

Neste momento busque ser resiliente para sobreviver nesta selva cruel e traiçoeira.