ARTIGOS


AINDA ESTOU AQUI (Ou Ditadura Nunca mais?)

 

ADELI SELL*

 

         Eu vos digo: é uma obrigação ver este filme! Sejamos nós que vivemos estes malditos tempos de terror do Estado, ou jovens que tem necessidade e aprender vendo, vendo para crer.

         O filme é de uma autenticidade incrível. O ator Selton Melo engorda quase 20 quilos para se assemelhar ao personagem Rubens Paiva.

         No início da década de 1970, o Brasil enfrenta o endurecimento da ditadura militar. No Rio de Janeiro, a família Paiva - Rubens, Eunice e seus cinco filhos - vive à beira da praia em uma casa de portas abertas para os amigos. Um dia, Rubens Paiva é levado por militares à paisana e desaparece (para sempre). Ele tinha sido cassado em 1964, por um discurso no Congresso.

         Foi levado e disse que voltaria para o suflê. Mas ele não voltou para o suflê. Nunca voltou, nem seu corpo foi achado.

         Eunice é perfeita no desempenho da Fernanda Torres e depois com a Fernanda Montenegro. Há cenas que ficarão na história do cinema. Aquela cena em que recebe o Atestado de Óbito é tocante demais.  

         Não há cenas fortuitas, todas bem exploradas, com uma densidade em cada tomada.

         Ainda estou aqui a refletir. Ainda estou aqui com os olhos doídos, porque não resisti e chorei.

         O episódio foi em 1970, mas me veio à cabeça minha prisão em 1979, já nos estertores do regime, não mais preso pelo Exército, mas pela Polícia Federal. E tudo se repetiu ainda mais uma vez em 1980.

         As pessoas não tem a dimensão da dor de uma família ao ler num jornal que seu ente querido está desaparecido. Uma manchete na Folha da Manhã de Porto Alegre do dia 13 de agosto de 1979 chegou à terra de meus pais e dizia: “Professor Sell é preso e está desaparecido” ou algo assim.

         Ainda estou aqui para lutar contra as ditaduras, contra a repressão, contra a censura, contra o uso da força.

         E me veio também as cenas dos imbecis de plantão pedindo a volta da ditadura. As imagens do 8 de janeiro passaram como um “flash” também.

         E me lembrei de que houve há pouco uma tentativa de golpe, um plano para matar o presidente, o vice-presidente e um Ministro da Suprema Corte por membros mais uma vez deste mesmo Exército.

         A ditadura militar de 1964 foi cruel, assassina e bárbara, mas eu vos direi que nos livramos de um barbarismo maior faz pouco, graças a alguns militares que não compraram a agenda dos golpistas.

 

ADELI SELL é professor, escritor e bacharel em Direito.