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Parada e estacionamento de veículos de transporte de valores nas calçadas: uma análise do artigo 29, VIII do Código de Trânsito Brasileiro (lei 9.503/1997) e do art. 3º, IV, da resolução Contran nº 26

Problemas estruturais nas calçadas dos municípios brasileiros, em especial aqueles que possuem uma maior urbanização a exemplo das capitais, são problemas recorrentes e que infelizmente se tornaram comuns. Meio-fio solto e deslocado de seu local de origem, calçadas com suas pedras quebradas, soltas, com pedaços faltando e esburacadas oferecem inúmeros riscos aos seus pedestres, principalmente para os idosos, pessoas com mobilidade reduzida, não esquecendo das pessoas cegas ou com baixa visão.

Vale ainda lembrar, que além dos problemas supramencionados, a falta de um planejamento assertivo nos espaços urbanos cria uma série de obstáculos extras nessas calçadas, como a exemplo da colocação inadequada de postes e do mobiliário urbano, tornando ainda mais inseguro o trânsito de pedestres[1], sendo o tema das calçadas portanto, um problema crônico que merece mais atenção por parte da Administração Municipal.

No tocante ao Município de Porto Alegre, é possível verificar em uma simples caminhada pelos bairros, especialmente pelo Centro Histórico da cidade, que o problema das calçadas soltas e esburacadas já são tão graves que não há mais a reposição das peças quebradas, isso quando o Executivo não faz os “reparos paliativos”, jogando sob os diversos buracos espalhados, cimento para cobrir as imperfeições, assim como lastimavelmente fez na rua dos Andradas

Diante do relatado, é necessário o questionamento sobre qual a razão para que as calçadas se encontrem em estado tão lastimável, havendo como o principal motivo, o estacionamento irregular de carros destinados a transporte de valores. Veículos estes, que são blindados, com peso que pode facilmente ultrapassar (8) oito toneladas, mesmo estando sem carga[1], peso que não é suportado pelas lajotas das calçadas, que foram feitas para suportar o peso do trânsito de pedestres e não para receber o peso descomunal de um carro-forte.

As empresas responsáveis pelo transporte de valores, bem como, os estabelecimentos que necessitam desse serviço, entendem que esses veículos poderiam estacionar livremente, utilizando para tanto, uma interpretação de dois dispositivos da legislação Federal (art. 29, VIII do Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503/1997, combinado com o art. 3º, IV, da Resolução CONTRAN nº 268/2008), mas que no entanto, tais dispositivos não tratam sobre essa possibilidade, sendo importante transcrevermos o que diz o inciso VIII, artigo 29 do CTB, com grifos nossos, in verbis:

Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:

(...)

VIII - os veículos prestadores de serviços de utilidade pública, quando em atendimento na via, gozam de livre parada e estacionamento no local da prestação de serviço, desde que devidamente sinalizados, devendo estar identificados na forma estabelecida pelo CONTRAN;

 

Veja-se que de fato, os veículos que transportam valores foram reconhecidos como prestadores de utilidade pública, conforme art. 3º, IV, da Resolução CONTRAN nº 268/2008[2], sendo esse mesmo entendimento estendido, também, para os veículos que atendem estabelecimentos privados.

No entanto, é necessário frisar que o dispositivo supratranscrito especifica que os veículos classificados como prestadores de utilidade pública, somente quando estiverem em atendimento na via, gozam de livre parada e estacionamento no local em que está sendo prestado o serviço, ou seja, na via.

Para elucidar de vez qualquer dúvida que possa existir sobre a definição do que seria via e o que seria calçada, o Anexo I - DOS CONCEITOS E DEFINIÇÕES, do CTB assim dispõe:

CALÇADA - parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins.

(...)

VIA - superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central.

Com base na legislação apresentada, é possível verificar que o benefício de livre parada e estacionamento ocorre na via e é concedido aos veículos de utilidade pública que estão realizando serviço na mesma, como ocorre com os caminhões de lixo, por exemplo, não sendo admissível que nenhum veículo suba na calçada para a prestação do serviço na via, mas sim, que possam parar em qualquer lugar (da via), que é própria para o peso desses veículos.

Ainda, é importante ressaltar que o serviço prestado pelos carros-fortes para o transporte de valores não ocorre na via pública, mas sim, dentro dos estabelecimentos contratantes desse serviço de forma privada, como exemplo de bancos e lotéricas, não podendo o referido benefício ser estendido para serviços realizados dentro dos lotes lindeiros, os quais deveriam providenciar local adequado para o regular estacionamento dos carros-fortes que contratou.

Dessa forma, não se vislumbra sequer o enquadramento dos veículos que transportam dinheiro para parar livremente na via, muito menos que tais veículos (que pesam toneladas), subam na calçada para a prestação do serviço, uma vez que a calçada é espaço exclusivo dos pedestres.

Por fim, como medida urgente do problema em Porto Alegre, proposto o PLL 043/24, atualmente em trâmite no Legislativo Municipal[1], que torna proibida a parada e o estacionamento de veículos destinados ao transporte de valores nas calçadas do Município, com o intuito de manter o espaço da calçada como local seguro e exclusivo dos pedestres, bem como, preservando-a da quebra, sendo importante o registro que o tema em comento também merece maior aprofundamento em âmbito Federal, haja vista que os carros-fortes estão subindo as calçadas (e destruindo-as) para prestar seus serviços nos estabelecimentos contratantes, sob a alegação de que estariam respaldados por uma interpretação livre do artigo 29, do Código de Trânsito Brasileiro, subindo, parando e estacionando irregularmente nas calçadas de todo o Brasil.

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NOTAS

[1] Informação disponível nas especificações técnicas de uma das principais marcas fabricantes de veículo que transporta valores: https://dealers.rewebmkt.com/files/20230112053207cub80-fichatransportedevalores.pdf

[1] Art. 3º Os veículos prestadores de serviços de utilidade pública, referidos no inciso VIII do art. 29 do Código de Trânsito Brasileiro, identificam-se pela instalação de dispositivo, não removível, de iluminação intermitente ou rotativa, e somente com luz amarelo-âmbar.

  • 1º Para os efeitos deste artigo, são considerados veículos prestadores de serviço de utilidade pública:

(...)

IV - os veículos especiais destinados ao transporte de valores;

[1] Disponível em: https://www.camarapoa.rs.gov.br/processos/139849. Acesso em: 23 de fevereiro de 2024.

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AUTORIA:

Tania Rosenblum: Mestra em Direitos Humanos pela UniRitter. Especialista em Direito Civil e Processo Civil na Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP. Graduada em Direito pelo Centro Universitário FADERGS. Advogada. Assessora parlamentar de bancada e assistente na Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Pública - CEDECONDH, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Email: taniarosenblum@gmail.com

Adeli Sell: Professor, escritor e consultor. Bacharel em Letras pela UFRGS. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário FADERGS, Vereador e Vice-Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Pública – CEDECONDH, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. E-mail: adelisell@camarapoa.rs.gov.br