ARTIGOS


Escravidão também em colheita de maçã

 

 

Adeli Sell

 

         Há um ano (fevereiro) houve o caso dos 210 trabalhadores em “condição análoga à escravidão” na vindima na Serra gaúcha, redundando num livro meu “Escravidão Contemporânea – o caso da Serra Gaúcha”. Este infortúnio foi narrado e mostrado, com grande repercussão.

         Sou abordado na rua por um catarinense fugido de uma colheita de Vacaria. Parece conto, mas não é. Às vezes as coincidências existem. Ou seriam ações dos astros? Iemanjá me guia neste ano, como o “ano do bará” anda abrindo caminhos e sob a sombra da asa do Arcanjo Gabriel as verdades vão aparecendo, para as lutas e para a ousadia.

         Contratado por um "gato" que traz gente de outros locais, como indígenas de Nonoai, Charrua e da região de Chapecó, a pessoa me faz relatos dramáticos como aqueles de Bento Gonçalves e de Uruguaiana. É o Rio Grande do Sul que estufa o peito para “cantar suas façanhas” e comete atrocidades. Cantam Jayme Caetano Braun e se esquecem de seus brados de liberdade.

         Não posso dar nomes por óbvio. Porém chequei dados e os confirmei, por isso suas informações são críveis.

         Ele não recebeu no dia do pagamento, foi enrolado e ameaçado. Foi a um posto da Brigada e foi mandado para a Polícia Civil, e ao sair dali o "gato" passou por ele e o ameaçou.

         Teve a graça de conseguir chegar aqui e tentar sua volta, graças a pessoas que ainda acreditam na Humanidade.

         O local de moradia lá na colheita, como em todos estes espaços de exploração, é imundo e indigno.

         Todos devem ao "gato", que fornece bebidas; em especial aos indígenas, sabendo da fraqueza deles pela cachaça. É a repetição de outros casos.

         Em 2023, dados apontam para 3190 pessoas libertadas de locais em que seres humanos eram submetidos à escravidão.

         A omissão das autoridades policiais, Brigada e Polícia Civil, no Rio Grande do Sul, se choca com a tradição destas instituições.

         Vamos seguir pistas e ver o que se pode fazer em defesa da dignidade humana.

         O que destoa deste caso - meu interlocutor reconheceu - é que, em Vacaria, há tempos tem terceirizações adequadas, pois acompanho uma empresa que contrata dentro da lei e respeita às pessoas, façamos justiça.

 

Adeli Sell é professor, escritor, bacharel em Direito e vereador do PT-POA.