ARTIGOS


Crônicas da pandemia

(Sobre "Na pandemia com Chico").
 
Naia Oliveira é conhecida como socióloga, ativista de áreas da cultura, do urbanismo e do meio ambiente. Agora, ela vem com tudo, com doçura, encantamento, apesar da clausura imposta pela pandemia. Vem eflexiva para nos  oferecer um livro de crônicas. Minicrônicas, textos limpos, concisos, precisos. Tem um domínio da linguagem e feitura de imagens e simbologias, tanto que vinculou seu dia a dia da janela do quinto andar, na frente da Praça Nações Unidas, olha só o vínculo seu com a Humanidade, com Chico, nada mais nada menos que Chico Buarque.
Naia Oliveira traz seus curtos escritos numa ligação com as letras e músicas de Chico. Ela mescla alguns excertos delas nas crônicas, dando o liame necessário e, contraditoriamente,  para um corte na história e fazer um convite a uma reflexão sobre o que se passa.
São textos singelos, porém intensos em sentimentos e reflexões. Como se passa na pandemia, diremos que vem datados, porém vão estar no futuro para uma leitura atemporal, pois a pandemia é o elemento da clausura, do distanciamento das pessoas, da solidão. E o vírus é um limite, é uma barreira, mas que a autora por ações cautelosas, mas com imensa simbologia rompe este espaço, para chegar à Praça, abraçar, protegida pelo lençol, fazendo piquenique com o filho. Mesmo falando de cima, do quinto andar, Naira desce pela sua empatia para falar com o catador, com o pedinte, para observar o pai desatento com os filhos, o outro pai que se posta na altura do pequeno filho, fazendo malabarismos no meio fio. Naira se posta de igual para igual diante dos seres humanos com o mesmo sofrimento, por tudo que sentimos nesta pandemia.
É a vida do dia a dia da pandemia, com suas correntes pulsantes de ideias e sonhos, com  suas amarras de solidão,  com medo das perdas, mas nada que o pensamento, a reflexão, a busca e a convicção inexorável da autora de que é preciso ter consigo, a seu lado,  o Outro, o filho,  as amigas, os passantes, os que choram e não se sabe o porquê, mas que se quer saber, para ajudar. Para poder viver.
Além do teor dos escritos, já esperando uma continuação ou outro livro, este tem um texto de introdução/prefácio sem nome da Cátia Castilho Simon, num primor de concisão e clareza. Temos uma capa inspiradora com o rosto da Naira e imagens delicadas da Liana Timm, uma artista plástica que soma na sua vida  escritos também. Este tripé de mulheres, com a concepção gráfica da pequena editora Território das Artes é tudo de bom.
 
 
Adeli Sell é professor e escritor