ARTIGOS


As crônicas de Flavio Dutra

Já se escreveu mais por aqui. Já se fazia mais crítica literária. Crônicas boas havia num passado mais longínquo, especialmente em páginas do velho Correio e do Diário de Notícias.

Poucos se lembram do Paulo Gouveia, do Teodomiro Tostes, muito menos do Sanhudo e do velho Arquimedes Fortini.

Agora, parece que voltamos a ter gente do romance como José Falero, Jeferson Tenório, entre outros. Dia destes vou comentar as mulheres escritoras. Tem tente de valor por aí.

Agora, já posso contar: li o livro do filho do coronel Darso Dutra. O pai virou nome de rua, e o filho revela-se o nosso Nelson Rodrigues mais “soft” não tão “hard core”, para imitar as brincadeiras que o Flávio faz no livro com o profundo aprendizado de inglês durante a pandemia.

O Flávio Dutra é um velho conhecido jornalista, tanto nas redações como no comando de equipes tanto no serviço público como no privado.

Flavio Dutra em seu “Agora, já posso contar” é cheio das ironias consigo mesmo, sua idade, brinca com a finitude, e isso é saudável, porque se não fosse não andaria filosofando pela Orla de Ipanema pelas manhãs, mas viria ao centro e se jogaria do Viaduto Otávio Rocha.

Minha referência ao Nelson Rodrigues não é só pela última frase do livro quando brinca: “Me perguntam de onde eu tiro tanta bobagem para publicar e eu respondo: da realidade brasileira.”

Disse quase tudo, pois como diz sua sincera neta: “O livro do vô é um monte de histórias bobas que os amigos contaram para ele.”.

Sim, a vida não está cheia de histórias bobas? Mas delas se tira o sumo da vida, quem sabe, e é o que o Flávio tenta fazer.

Algumas são tão bobas que ele credita ao pessoal da mesa ao lado, dali saindo alguns primores de crônicas.

As crônicas da vida real se confundam com aquelas como se misturam com as da quarentena, onde nosso autor começa a mergulhar, sem parecer, no fundo de nossas almas.

Flávio não pretende ser um contista, não cria personagens para analisar suas almas, colocar aquela pitada psicológica, tirar lições filosóficas.

Eu ainda sou daqueles que diferencio o conto da crônica, sem achar que esta é um estilo menor. Pelo contrário.

O Flávio pode não ter percebido, mas eu acho que as crônicas da comunicação são um tanto diferentes das outras. Nelas ele se revela um bom crítico da vida e do cotidiano das redações. Ali ele desvenda mais a alma dos arrogantes, dos ingênuos, dos vaidosos.

Flávio Dutra revela e se revela um escritor, além de um jornalista. E assim deve continuar, andando por Ipanema para manter a saúde, escrevendo para nos divertir um pouco agora com a nova cepa nos atormentando e depois no “novo normal”. Afinal, é hora de revelar que todos nós gostamos de historinhas com sacanagens e alguma maldade humana. Afinal, vamos ser sinceros como a neta dele: a gente gosta de histórias bobas, afinal de contas elas são a regra, e não a exceção.


Adeli Sell é professor e escritor.