ARTIGOS


O caos aumenta a banalidade do mal

(Reflexões sobre o livro “Engenheiros do Caos”)

 

 

Muito se escreve e se fala sobre fake news, mas nada se compara com a escrita simples e densa do livro de Giuliano da Empoli: “Os engenheiros do caos”.

Nele lemos “como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições”.

O grande escritor americano Mark Twain (1835-1910) teria dito que “uma mentira pode dar a volta ao mundo enquanto a verdade leva o mesmo tempo para calçar os sapatos”.

Giuliano da Empoli que foi conselheiro político de Matteo Renzi (ex-primeiro ministro italiano – Partido Democrático/Italia Viva - vive em Paris, e neste livro nos traz reflexões atualíssimas, em especial para nós brasileiros que vivemos a danação do governo de Bolsonaro Este que eleito sem um partido, tomando de assalto uma sigla de aluguel, sem qualquer conteúdo programático, vociferou contra tudo e todos, achou alguns culpados - entre eles, o PT, com quem disputava, contra a mídia, em especial a Globo, elegendo-se. Não foi a debates, mas ele e seus asseclas fizeram muitos tuítes.

Os maus, sem dúvida, entenderam alguma coisa que os bons ignoram” (Woody Allen) - citação na folha antes do sumário - é a frase-lição que o autor quer nos passar, pois eles (os maus) são cruéis com seus adversários, mentem, expõem ódios reprimidos, colocam o povo num medo de danar, ganham eleições.

A lição vem de longe, os fascistas foram e são especialistas nestas artes, como foi Hitler para se alçar ao poder supremo na Alemanha.

Com Trump, Boris Johson e Bolsonaro, a cada dia nasce uma gafe, um polêmica, um escândalo. E eles tiram proveito da sua grosseria, dos seus ataques racistas, da misoginia, do ódio aos migrantes, aqueles que os perturbam. Vão somando ódios, rancores, medos.

Beppe Grilo, o ator palhaço, vira um avatar de carne e osso de um partido algoritmo, o Movimento 5 estrelas, na Itália que fez uma terra arrasada com a Operação Mãos Limpas, dali surgindo “novos” políticos, mas abrindo espaço ao Berlusconi. Este cai em desgraça e lá vem o circo ou o carnaval como ele descreve as festas que impactaram Goethe dois séculos atrás.

Ele representa e fala para as amplas massas, vale-se de uma relação que as pessoas acham que seja horizontal, mas o partido dele é um blog, registrado como dele e só dele, sob comando seu e dos engenheiros do caos que o cercam.

E eles estão aí: Steve Bannon, o homem-orquestra que circula pelo mundo, organizando sua Internacional, ajudou Trump para depois este declarar que Bannon era “um babão”, mas aí ele já andava pelo outro lado do planeta, pois para este não importa o que se fala, o que importa é seu ego e seus objetivos populistas.

Com ele estão os geradores (engenheiros) do caos, não importa qual seja o resultado, desde que eles ganhem e que seus guiados como Beppe Grilo, Trump, Orban, Bolsonaro ou Brexit vençam. São deste time, além de Steve Bannon, Milo Yiannopoulos, Arthur Finkelstein, Casaleggio pai e filho, junto com alguns think tanks e Cambridge Annalyttica et caterva vão garimpando e encontrando o que fazer e como fazer, na base de algoritmos, de máquinas, somadas maldades, fake news e atropelando que se coloca em seu caminho.

Destas mentes do mal, saem as manipulações de outras mentes, estas apreensivas com suas vidas, com seu emprego, com a falta de moradia etc. Eles extraem de pesquisas nas redes e na sociedade o que está afligindo as pessoas num dado momento e buscam saber quem vai vestir as vestes da direita mais agressiva, para atacar instituições, o status quo, falando mal dos outros políticos (que para eles são tradicionais parasitas). Ou lhes bastam num momento que vistam as camisas amarelas, que em três semanas juntam nas ruas 300 mil na França. Lembram como fizeram com as Jornadas de junho de 2013 no Brasil.

O fascista Orban - que foi eleito inicialmente por ser um democrata que lutou para livrar a Hungria do antigo jugo soviético e seus burocratas de plantão - fez uso do processo eleitoral e democrático para vencer, impondo medo e terror ao seu povo, como se os outros quisessem tomar conta da Hungria. Uma jogada fantasiosa sobre os migrantes virou (a) realidade.

Arrumou inimigos: Soros, Bruxelas, os migrantes, quando estes praticamente não existiam em seu país. Colocou medo no povo e vai crescendo meteoricamente.

O mesmo foi com Matteo Salvini (Liga Norte) na Itália, que polarizou a cena política local. E as vitórias do M5S do comediante Beppe Grilo souberam juntar todos estes e outros elementos para derrotar partidos tradicionais.

O Brexit foi construído em cima de mentiras como a eleição de Trump. Trump não tinha nada a apresentar além do que ele era, um homem sem qualidades. O casal Clinton foi estudado e suas vidas reviradas para começarem os ataques contra a favorita do pleito, Hillary Clinton, tanto que Trump dizia que ela tinha que ser presa e o povo uivava com ele nos comícios: “prendam-na”!

Bolsonaro - se sabe - contou com a ajuda de Bannon e sua trupe e um dos filhos do presidente parece que gostou de brincar com os robôs que continua até hoje, apesar de mais rápido do que em qualquer outro caso, o establishment, que eles querem derrubar, está no seu encalço e já detectou quem financia vários blogs e a central do ódio.

Giuliano da Empoli nos mostra página a página como funciona a política robotizada, como é a política quântica, como agem os programas para detectar o gosto popular, o assunto que cola que será multiplicado à exaustão. Explica como as máquinas detectam o eleitor que clama por um tema controverso, este recebe doses e doses de fake news ou manchetes que suprem seu ego; mas este tema pode ser escondido de um outro eleitor que é de direita mas não bem embarcaria nesta canoa. Logo, este recebe as doses do que lhe apraz.

São os algoritmos que estão sendo meticulosamente usados para disseminar o ódio, o medo e ganhar eleições.

Os cientistas políticos, os dirigentes dos partidos, os estudiosos das mais variadas áreas de conhecimento devem começar a atentar que a matemática e a física estão realizando mais ações políticas que os próprios políticos e as instituições.

Como ficarão os partidos no futuro? Qual o destino das democracias num mundo que o comando sai por causa dos big data e da inteligência artificial?

Estaríamos voltando ao estado da natureza, pré-Hobbes? Esta pergunta o autor não se fez, mas para concluir estas brevíssimas notas, não poderia terminar sem esta provocação.

Certamente não será o Estado autoritário deles, nem aquele dos príncipes do passado. Pois queremos o que eles querem destruir: o Estado de Direito, a democracia, as liberdades, o avanço das ciências e a superação das crendices, dos medos, dos preconceitos.

Muitos querem colocar a coroa de Luis XIV na cabeça e dizer que o “estado sou eu”, mas os elementos da democracia moderna, do Estado de Direito tem ainda sua força, mas precisam da força de outros políticos e pensadores mais ousados e renovadores e com mais ligação com o povo que os atuais. Pois, ao não entender algumas coisas, os maus, sem dúvida, entendem e vão lá e ganham eleições, tomam conta dos parlamentos, instalam o caos que aumenta a cada dia a Banalidade do Mal, para não esquecer as lições de Hannah Arendt.

 

 

 

Adeli Sell é bacharel em Direito, vereador em Porto Alegre.

adeli13601@gmail.com