De repente, as pessoas descobrem o Estado. Os liberais brasileiros que não leram Adam Smith, mas no melhor dos casos Von Mises - até porque os que leem Friedrich Hayek não sabem o que seja – acabam se deparando com uma Lei do atual mandatário. Segundo a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, na qual dispõe em seu Artigo 3º, Inciso VII
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:
(...)
VII - requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa;
Além de descobrir um Estado, este tem um governo que chamam de seu, mas ele pode usar um bem deles (autodenominados liberais) pagando pelo uso “depois”. Vale dizer, descobriram também o poder do Estado. O velho professor Hely Lopes Meireles dizia que a requisição administrativa é “a utilização coativa de bens ou serviços particulares pelo Poder Público por ato de execução imediata e direta da autoridade requisitante e indenização ulterior, para atendimento de necessidades coletivas urgentes e transitórias.” Mas seria esperar demais que lessem um jurista administrativista.
Na Constituição Federal de 1988, no bojo da construção do Estado de bem estar social, encontramos no seu artigo, inciso XXV: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”. Também está na Lei Federal n° 8.080/90, a qual dispõe sobre a autorização da requisição administrativa:
Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições:
(...)
XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização;
Não nos resta dúvida de que a pandemia que estamos enfrentando do Coronavírus é classificada como um perigo público iminente. Alguns hão de questionar o conceito de “perigo”, dado as controvérsias entre o Ministro da Saúde e o presidente. Aristóteles entendia que “dizer daquilo que é, que é, e daquilo que não é, que não é, é verdadeiro.” Errou o grande filósofo grego. Ele confundia enunciado e fato!
Mandetta vê o coronavirus assim como o Bolsonaro: no microscópio, exposto na tela da TV. O fato é que o médico, a comunidade científica e nós, aprendemos que há pesquisa e ciência, temos como fato a pandemia. Já o crente no sentido de crendice que os terraplanistas creem tem como verdade que aquele bichinho é como de outras gripes passadas e anunciam uma gripezinha. Aprendi lendo o filósofo alemão (velhinho e vivo) Jurgen Habermas.
Por isso, depois desta digressão, o fato é que o vírus mata! Mais razões para resumir a norma que garante a requisição administrativa é o direito pessoal da Administração. Seu pressuposto é o perigo público iminente o qual incide sobre bens móveis, imóveis e serviços. Caracteriza-se pela transitoriedade do problema e, quanto a indenização, somente será devida se houver dano, e de caráter ulterior.
Desta forma, por este mandamento, o prefeito da capital e seu secretário de saúde fizeram requisição administrativa de bens de uso imprescindível para o enfrentamento do coronavírus do antigo Hospital Parque Belém. Na atual conjuntura de gravidade da pandemia, a requisição administrativa é o instituto jurídico mais apropriado para combater a pandemia do novo Coronavírus, pois é fato que ele mata - por ser o meio mais célere, sendo totalmente legítima à administração pública adotar tal intervenção sobre o particular.
O Estado é forte, mas requisição não é expropriação, pois a natureza emergencial que autoriza a requisição administrativa legitima que a indenização, pelo Estado, dos prejuízos sofridos pelos titulares dos bens ou serviços, se dê posteriormente à intervenção, só e somente se haja prova dos danos sofridos.
Demonstrados os prejuízos, não há como o Poder Público furtar-se do dever de ressarcir a posteriori. A exemplo, quanto ao caso da requisição de camas e outros bens de um hospital, em Porto Alegre, se depois do infortúnio que estamos enfrentando forem devolvidas sem estragos, nada há a indenizar.
Adeli Sell é escritor, bacharel em Direito e vereador em Porto Alegre
E-mail: adeli13601@gmail.com