Se formos ao “Dicionário”, vamos encontrar para o verbo “desacatar” algo como
- não guardar o respeito devido a;
- tratar com indelicadeza ou irreverência autoridade;
- não fazer caso de; desobedecer, menosprezar preceitos, usos, ordens; etc.
Esta questão sempre está posta nas manifestações públicas ou até mesmo numa relação direta ”pessoa” X “autoridade”.
Posso guardar respeito a alguém que em nome do Estado me agride porque estou me manifestando¿
Dizer “não”, “daqui da rua eu não saio” a um policial é “desacatar” este funcionário¿
No passado, para não ter que dar muitas explicações, a “autoridade” lascava: “desacato à autoridade”, abria uma ocorrência, e qualquer manifestante respondia a um processo penal.
E hoje em dia ainda se fala em “desacato”, porque você irá ao nosso Código Penal de 1940 e lá encontra o tal...
Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Só que em 15 de dezembro de 2015, o STJ decide que desacato a autoridade não é mais crime.
Mas, afinal, por que razão “não tiram” este artigo do Código Penal.
Não se trata, por óbvio, de simplesmente tirar este artigo, é que o nosso Código Penal está mais do que ultrapassado, mesmo que emendado, pois é de 1940.
Para que as pessoas, nestes momentos bicudos e de crise institucional, não sejam presas, por não obedecer a um “funcionário público”, no exercício de sua função, em razão desta mesma função, é preciso lembrar a decisão do STJ.
Leio que a Damares, a Ministra, noutro ataque de devaneios, diz que a cerveja Bock incentivaria ato libidinoso, como sexo oral, logo bebendo a tal cerveja, estaríamos desobedecendo a sua autoridade, afinal Ministros ou Secretários são funcionários públicos (transitórios).
Claro que é uma provocação, mas não se admirem se algo parecido vos acontecer nos dias de hoje.
Voltemos à decisão do STJ, dando palavra ao voto do seu relator;
"(...)não há dúvida de que a criminalização do desacato está na contramão do humanismo porque ressalta a preponderância do Estado --personificado em seus agentes-- sobre o indivíduo".
Deixemos, mais uma vez, o Ministro Ribeirto Dantas falar:
"A existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito preconizado pela Constituição Federal de 88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos."
Em seu relatório, o ministro Dantas afirmou que
"a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já se manifestou no sentido de que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário".
Obrigo-me a fazer esta citação, porque neste momento algumas autoridades brasileiras começam a questionar nossos Acordos e Tratados Internacionais, como começam a pensar em afastar a Nação de organismos internacionais.
E para que não nos acusem de defender a “bagunça” ou seja lá o que for, pois agora nas redes sociais se fala qualquer coisa, considero lapidar a conclusão do Ministro:
"O afastamento da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual ofensiva, utilizada perante o funcionário público".
Aí está, portanto, a atualização do debate sobre o tema do “desacato” à autoridade.
Adeli Sell é acadêmico de Direito