Paulo César Teixeira, que já nos havia brindado com o magnífico Esquina Maldita, onde Luiz Airton Farias Bastos, ou melhor, Nega Lu, já aparecia com destaque, dedica um livro a ela: “ícone afetivo de sucessivas gerações, com uma figura alegre e anticonvencional, a Nega Lu é um patrimônio imaterial de Porto Alegre”, diz o autor, com inteira correção.
Foi e sempre será uma figura emblemática de nossa Porto Alegre.
Nos dias que (es)correm preconceitos nas ruas, nas redes sociais, onde se mata por ódio de gênero, Nega Lu é um brado revolucionário no cenário do medo, do preconceito, da estupidez, um grito pela dignidade da pessoa humana, lá atrás contra a ditadura militar e agora contra o fascismo.
Nasceu e morreu no Menino Deus, onde no 3º ano do Curso Clássico, na aula de Filosofia, ela bradou que daquele dia em diante era Nega Lu. E foi ser Nega Lu e assim será para o todo o sempre.
Perdeu a mãe cedo, o pai se escafedeu logo depois, e a avó a criou. Sempre rodeado de pessoas da família – mas a irreverência e ter-se assumida homossexual desagradava os machos do clã Bastos. Rodava na comunidade – imaginem os anos 60 no Menino Deus, típico bairro de classe média esnobe – para tomar conta de toda a Porto Alegre.
Tinha um vozeirão para o canto, tanto que fez parte do Coral da UFRGS, da Ospa, foi crooner da banda de blues do guitarrista Coié, fez dança com a famosa russa Marina Fedossejeva, fez teatro, rodou e cantou em cima de mesas de bar, dava shows magníficos nas calçadas, tinha fricotes, saía no braço quando necessário e não tinha para ninguém. Talvez por isso, safou-se de alguns preconceituosos.
Teve, como conta Paulo César, muitos amores e ela sempre preservava os “ bofes”.
Além de fazer a revolução dos costumes, expor as questões de gênero – puto, preto e pobre – se assumia como “bicha”, falava assim, nesta linguagem clara e debochada. Nega Lu era progressista na vida, na filosofia, crenças, foi “pai de santo”, na política, sem ter sido “militante”. Paulo César garante que simpatizava com a Libelu, a famosa tendência estudantil Liberdade e Luta, trotskista, avançada na política, nos costumes, aquela das melhores e mais ousadas festas estudantis.
Nega Lu sabia das coisas, sabia de tudo, era avançada, passou perrengues na vida, com grana curta muitas e muitas vezes na vida, mas não perdia seu humor.
Morreu bastante pobre e com dificuldades, aos 55 anos, doente, obesa, tomada de alguma tristeza, em contraste com o humor e alegria de toda uma vida.
Nega Lu vive. Vive no livro da Libretos. Vive no livro Esquina Maldita, em fotos, em raras imagens filmadas, mas vive na memória da cidade de Porto Alegre.
Leiam o livro: Nega Lu, uma dama de barba malfeita.