ARTIGOS


Carnaval Tributário (Resenha-Adeli Sell)

(Resenha e anotações acerca do livro de Alfredo Augusto Bekcer)

 

 

“Carnaval Tributário” é uma obra prima do advogado gaúcho Alfredo Augusto Becker.

Já em 1963, lançou seu livro “Teoria Geral do Direito Tributário”. Nele desenvolvera a tese que “empréstimo compulsório” é, na verdade, um tributo.

Militante destacado do Direito era homem de vasta cultura, intelectual dedicado, amante da boa música e de bons debates filosóficos.

A denominação de “Carnaval Tributário” é uma provocação ao Sistema.

Levou tão a sério suas posições que desistiu da advocacia para apreciar música e ler.

Neste “Carnaval”, o contribuinte, diz ele, fica de tanga e à beira de naufrágio anual.

Propõe uma revolução legislativa, baseada num novo humanismo, cuja tarefa caberia ao Direito Tributário. Diz que a “nova legislação tributária, pelo impacto dos tributos, destruirá a velha ordem socioeconômica e, simultaneamente, financiará a reconstrução da comunidade humanizada”.

Por 4 anos, de 1958 a 1962, trabalhando sem férias, sem finais de semana, sem feriados, todas as manhãs - ia à tarde ao escritório - aos 34 anos entregou seu livro de 621 páginas à edição. É um livro de teoria geral. Um escrito para fazer pensar, resolver o problema jurídico criado por lei em quaisquer circunstâncias. Três meses depois de lançado, já compunha citação de acórdão da Suprema Corte.

Becker nos fala depois de uma carta de Rubens Gomes de Sousa, autor – na verdade – de nosso Código Tributário Nacional. A pedido daquele, Becker escreveu 30 páginas – “Teoria do Abuso das Formas Jurídicas e a Interpretação Econômica das Leis Fiscais” – para demonstrar o absurdo jurídico de deixar o contribuinte ao arbítrio subjetivo do Ministério da Fazenda. Assim, esta teoria nazista foi eliminada de nosso Código Tributário Nacional, já que Rubens se convencera da correção da posição esposada por Becker. Era uma paulada, construída com vigor e saber, contra as teses do jurista Enno Becker, vitoriosas na Alemanha de Hitler.

Depois de escrito este primeiro livro teórico, usava o Direito Tributário nas suas lides do escritório, evitando participar de debates, outros escritos, mesmo que sempre referenciado pelos maiores estudiosos do Direito Tributário. Seu tempo fora do escritório era para as leituras, os estudos variados, para a música.

Sarcástico, mas com bom humor, Alfredo Augusto Becker vai lendo e escrevendo, e nos traz lembranças de escritores que admirava como Camus (O Estrangeiro, A Peste), do jurista Luigi Vittorio Berlini, autor de um clássico sobre tributos, do Ministro Luiz Galotti, do STF.

Faz um capítulo hilário sobre sua derrota de 14 X 0 no STF acerca de uma “bronca carnavalestico-jurídica” entre o Irga e a Standard Electric. Processo que lá defendeu e perdeu, sendo elogiado por vários Ministros.

Do mesmo modo que fala poeticamente de Mário Quintana e Verlaine, fala da grandeza pessoal do jurista José Souto Maior Borges.

Mais do que estes, é do jurista Rubens Gomes de Sousa que não se cansa de escrever no mais longo capítulo do livro. Relembramos que foi ele o autor do nosso Código Tributário Nacional. Lastima sua morte prematura aos 60 anos, dizendo que fora o maior especialista em Direito Tributário do país e da América Latina; recusando convite para compor o STF.

Lembra de sua figura a la Anton Dvorak, que como Smetana, era um músico clássico checo admirável. Lembra um Rubens sempre elegante, fluente em várias línguas, com seus cachimbos e seus escritos sobre a arte de fumar cachimbos.

O primeiro encontro destas duas figuras admiráveis foi proporcionado por um gerente de livraria em São Paulo, cujo primeiro encontro rendeu além do almoço regado a vinho 5 longas horas de boa conversa.

Becker diz:

“Naquelas 5 horas antecipei 50 anos de estudo do Direito Tributário e me autograduei Mestre e PhD em Direito Tributário”.

Ambos eram amantes da boa música, dos bons vinhos e dos papos sem fim, e encontraram-se várias e várias vezes para ouvir música e trocar ideias.

Há cartas e trechos delas, entre ambos, com (in)confidências no capitulo X, o mais longo, cujo teor merece ser lido e relido, para pensar e repensar a vida e o direito.

Neste, Becker fala de um livro de 528 páginas para decodificar A Queda, de Camus. Livro que tentou publicar na França sem sucesso.

Numa conversa de dia inteiro em Porto Alegre, Rubens disse a Becker taxativamente:

“Eu dissipei toda a minha vida com esse Direito Tributário”.

Becker pensava o mesmo, pois num belo dia largou tudo, fechando o escritório, doando todos os livros de Direito.

Era, guardadas as proporções e diferenças, um Warat ou um Eco dos estudos de linguagem. Pensava a linguagem como arte de necessária simplicidade, lembrando Pascal, o filósofo. Odiava o discurso empostado de certos juristas e filósofos que por trás da linguagem hermética escondiam sua limitação intelectual.

Sobre o Direito Natural e sobre o Direito Positivo fez alguns esclarecimentos que são dignos de citação literal:

“Com o tempo, aquela filosofia do mundo (cujo reflexo é a “ideia do direito”) modifica-se ou é substituída por outra que – neste interim – fortaleceu-se e tornou-se a predominante. Em consequência, o direito positivo vai sofrendo alterações a fim de adequá-lo ao movo conteúdo do Bem Comum (ideia do direito) sob pena de o Estado manejar instrumental jurídico impraticável ou inadequado para proteção do seu em Comum.(....)”

É de uma clareza meridiana sua visão acerta dos juízes que “interpretam a lei imersos na confusão de atitude mental política com a atitude mental jurídica.

Critica o juiz que imagina interpretar a lei, mas na verdade faz política.  Suas críticas aos juízes são de uma atualidade cristalina.

Diz tudo ao afirmar:

“O juiz é o intérprete da vontade da lei, não o seu árbitro”.

Para Becker as pessoas não têm idade. Cita Pascal que aos 28 anos enfrentou Descartes. Propõe a fala, a conversa, o diálogo, o respeito. Nada mais atual do que o capitulo XV quando nos ensina sobre a Honestidade Intelectual. Lembrando Descartes, diz que a “multidão de teorias é uma desculpa para a preguiça intelectual. ”

Combate a desculpa. Contrapõe-se a ela, mostrando a sabedoria de um cego, a importância de bons livros, já que não é a quantidade deles que conta mais. Retoma a defesa da linguagem inteligível e clara.

Dá duríssimo combate ao fascínio pela “Kultur” germânica, estraçalhando a teoria jurídica tributária de Enno Becker (o tributarista alemão) que introduz os ditames da economia do partido nacional-socialista de Hitler para justificar a lei tributária da época.

Becker mostra em seu “Carnaval Tributário” que foi um combatente de boas causas, iluminista, sincero, amigável, crítico e cordato, um estudioso do Direito Tributário sem tornar-se servo de sua aspereza e dureza, sem se deixar contaminar pela arrogância de certos doutos; o que lhe deu condições de largar este “Carnaval” de poucos e pensar mais nas pessoas de tanga ou náufragos, para buscar outras searas para ser mais e ter mais gosto pela vida.