ARTIGOS


Por que regredimos em Porto Alegre? (Adeli Sell)

No dia 26 de março de 2018 Porto Alegre faz 246 anos. Esta é uma data que deveria ser para refletirmos sobre Porto Alegre. Me amparo em George Santayana que diz: “os que são incapazes de recordar o passado são condenados a repeti-lo”. Junto as pontas e digo que temos que ser honestos com nós mesmos e reconhecer nossos erros, pensar e não os repetir. 

O último bonde parou na cidade em 8 de março de 1970, às 20h30. Este evento é o ponto de divisão entre a Porto Alegre moderna e a suspensão dela. A entrada dos ônibus foi um momento crasso de mudanças. Hoje temos que repensar o transporte coletivo por ônibus. Não se enxergou a região metropolitana como rede integrada, racionalizando e poluindo menos. A integração de fato do sistema coletivo com a Trensurb também foi um erro.

A criação do calçadão da "Rua da Praia", tirando-se dali as pedras do calçamento, a falta de incentivos a manutenção de espaços de convívio como o Café Ryan, a  Churrascaria Urca, a livraria do Globo, lojas como Bromberg, Louro, Sloper, Krae, Kirk, Guaspari, identificadas como comércio local, o fim de dezenas de cinemas de rua,  parte do povo deixa de ir ao Centro e circular pelas nossas ruas. Não foram apenas símbolos que se foram, isto mudou a cidade. Atualmente as ruas, as praças, as calçadas estão privatizadas pela ilicitude. Nosso mobiliário urbano é o pior que se possa ter. Tiramos parcelas importantes de vida das ruas, jogando-se para dentro de shoppings.

O Cais do Porto, sem busca de aumento do calado, foi se acabando, ficando mais e mais ocioso. O Mercado Público, um cartão postal da cidade, quase foi demolido na gestão do então prefeito Thompson Flores; mesmo sem estacionamento, com flanelinhas, camelôs ilegais no entorno, as pessoas insistem em ir. O mesmo acontece com o Brique, tomada de ilicitudes, mas vamos nas manhãs de domingo, nem que seja só para matear, pegar sol, ver e conversar, curtindo a vida. 

Uma cidade se faz de mesclas, conforme Jane Jacobs, no livro “Vida e Morte de Grandes Cidades”, de ricos e de pobres, de remediados, de gente que vai e vem, de tipos distintos de prestação de serviços, de moradias misturadas com comércio é que se dá vida a uma cidade, a uma região. O urbanista Jan Gael nos ensinou que a cidade (é) para as pessoas. Acrescento a essas ideias que a cidade deve ser construída com a participação das pessoas, considerando as diversidades.

Nós queremos retomar as ruas, as praças, os parques. Queremos viver nossa cidade, de verdade. Queremos poder festejar esse aniversário.

Que viva Porto Alegre!