Porto Alegre tinha, nos anos 70/80, um alto número de Associações de Bairro, organizadas para demandar pelas comunidades. As lutas eram por moradia, fornecimento de energia, abastecimento de água, carestia tiveram papel preponderante. Era a busca do básico do básico.
Com o advento do Orçamento Participativo - OP – aquelas perderam força para delegados eleitos em assembleias, formando outra geração de demandantes sociais, por postos de saúde, creches, asfalto, saneamento etc.
Em alguns momentos os vícios do populismo e do carreirismo se introduziram neste meio.
Naqueles tempos a força criadora do OP foi mais forte. No entanto, a forma organizativa que não se renova e nem se recria, vicia e cansa.
Com o fim do ciclo das Administrações Populares se abriram mais espaços para manobras e "jeitinhos". Os carreiristas ganharam mais força. Apareceram manipulações de dados, até haver um esvaziamento do modelo.
Com o advento do governo do tucanato, o OP foi massacrado.
Nós dirigentes partidários e populares fomos incapazes de introduzir e construir - com as comunidades - a garantia de mudanças inovadoras. Talvez não fôssemos vitoriosos, mas a derrota teria sido menor.
No entanto, nosso povo não é submisso aos ataques selvagens deste pior governo de todos os tempos. As pessoas estão se mexendo. A inércia é aparente para olhares desatentos.
Nascido nas periferias, o movimento cultural rebelde dá também exemplos às comunidades para criar e retomar organizações locais. As organizações identitárias, como de mulheres negras abriram caminhos. Na pegada está a defesa do ambiente e de novas opções de vida.
Algumas ganharam força por organizar e puxar demandas por creches e escolas infantis, assim como entidades que buscaram fazer o contra turno escolar, buscando ambas, convênios com os governos.
Na pandemia, ficou patente que os movimentos de solidariedade às pessoas têm força, não importam as origens. É preciso saber lidar com a novidade.
Dos dirigentes ficaram os combativos e que enfrentaram o “andar de cima”. Alguns cansaram e desistiram. E o pior é que um bom número migrou para as benesses dos governos, aceitando cargos ou aderindo a mandatos ou vendendo sua "força de trabalho” em campanhas eleitorais dos exploradores.
Mesmo com todos estes "senões", um novo movimento comunitário está surgindo, mais arejado, menos engajado politicamente talvez, o que faz gente torcer o nariz. Mas esta é a realidade. Com toda a crise institucional e partidária que vivemos, é melhor compreender este afastamento das organizações, superando a arrogância das rotulações e acusações que precisamos superar entre nós.
O problema é que os partidos de esquerda não entenderam até agora este processo e continuam a buscar e apostar em lideranças que o tempo colocou fora da nova forma de agir e pensar. Ou seja, não só o discurso continua na bolha, mas as buscas não saem do eixo da mesmice.
Nem sempre este movimento está organizado formalmente, mas está ali latente de iniciativas variadas, como a organização de uma “nova economia”, na economia solidária, na defesa de gênero e raça, do ambiente sustentável, da reciclagem, na busca de espaços de cultura e lazer, na luta contra a violência, em especial aquela contra a mulher, na segurança. Estão voltando movimentos pela regularização fundiária, pela mobilidade, por transporte de qualidade, entre outros tantos. Para espanto dos incautos fala-se em Plano Diretor na periferia.
Cabe aos que querem mudar e enfrentar o atual conservadorismo buscar se colar humildemente a este novo movimento, repensar as suas atitudes e escutar estas lideranças, sem os vícios do passado e distantes das manobras político-partidárias.
Temos muito para aprender com estes movimentos emergentes e com as novas lideranças que surgem por todos os lados em nossas comunidades, em especial com as mulheres, os movimentos de cultura, da sustentabilidade, de um novo modo de consumo e de vida.
ADELI SELL é vereador em Porto Alegre