ARTIGOS


60 anos do Golpe e eles não mudam!

Adeli Sell

 

        Este mito de neutralidade das Forças Armadas (FFAA) na História brasileira colou, apenas, para desavisados e para uma massa de brasileiros que não lê, fruto de um ensino precário e de uma intensa ação de mídia para acobertar as barbaridades cometidas pelas três armas que a compõe.

        Os militares, não fartos do golpe de 1964, queriam mais poder, mais repressão, mais força ditatorial e nos impuseram o Ato Institucional n° 5, AI5, em 1968. Quem levou a culpa foi o combativo deputado federal Márcio Moreira Alves. Não foi por seu discurso da Tribuna, pois este Ato sairia mais dia menos dia. Foi o álibi para ampliar o golpe, a censura, as torturas e as mortes em nome da moralidade, do combate à “corrupção” e ao comunismo. Sempre em nome da Pátria, da Família e da Propriedade. Não por acaso, estas palavras de ordem foram retomadas na campanha, durante e depois do governo do Inominável.

Na ditadura mataram, torturaram, fizeram desaparecer pessoas. Houveram incêndios às bancas de jornal, a bomba na OAB com a morte de uma pessoa, o caso da bomba no Riocentro, cujo estouro saiu pela “culatra”. Já estávamos sob a “ordem” de abertura lenta, porém gradual.

        Por que os militares conseguiram ficar nos governando por longos 21 anos? De onde vinha sua força?

        Um deles preferia o “cheiro dos cavalos ao cheiro do povo”. Por isso o povo nas ruas, com os gritos de Diretas já, derrotou a ditadura. E neste ano aqui, em Porto Alegre, em 13 de abril, vamos lembrar os 40 anos do grande Ato pelas Diretas. E a pergunta fica: de onde vinha a sua força?

        Agora, o mesmo podemos perguntar sobre o bolsonarismo. Como podem fazer um ato com força como foi o da Paulista, se foram derrotados nas urnas, fracassaram com o golpe de 8 de janeiro, tem “seu” presidente prestes a ser preso, com outros tantos “líderes” já presos? Neste momento, graças à frágil democracia que criamos, graças ao STF, à PF e outros setores de Estado, com as amarras ditatoriais cortadas, o Estado volta a funcionar, já condenando vários golpistas, mesmo ainda não tendo ido à prisão os militares planejadores do golpe. Neste sentido, como foi o grito das Diretas há 40 anos, agora, tem que ser o grito de SEM ANISTIA, ecoando nas ruas de norte a sul do país.

        Mais de seis anos depois da morte de Marielle seus mandantes e o chefe da Polícia do Rio são presos. A força desta gente vem pela união da Banalidade do Mal nos quatro cantos do país, por dentro do Estado, por fora dele, como são as milícias e o narco.

        Creio que é preciso sempre e necessariamente ir às raízes da construção da Nação. Assim, permitam-me um olhar reflexivo.

        Quando se olhar para o passado, quem eram os governantes e mandantes nas regiões em nome do governo de Portugal? Militares e militares por todos os lados. E mandavam e desmandavam, criando-se uma cultura autoritária.

        No caso do Rio Grande do Sul, olhem para os nomes de ruas de sua cidade: é uma rede de nomes de militares de alta patente. Todo mundo virava coronel ou general.

        Claro que no meio das FFAA, em especial do Exército Brasileiro (EB), havia militares rebeldes, até mesmo o PCB – Partido Comunista Brasileiro – chegou a ter alguma influência sobre certos setores. Haja vista o movimento tenentista e outros.

        É forçoso lembrar o nascedouro da República, o autoritarismo dos militares, em especial o Marechal Floriano.

        Na República Velha tivemos Deodoro da Fonseca (1889-1891), Floriano Peixoto (1891-1894), Prudente de Morais (1894-1898). Ou seja, ela começou sob o tacão dos militares.

        Hermes da Fonseca e Eurico Dutra, no passado, como Bolsonarom, foram eleitos pelo voto popular.

        Estes dados são pouco lembrados.

        No Rio Grande do Sul, fomos governados pelo General Flores da Cunha, Ernesto Dorneles e Valter Perachi de Barcelos, militares, e Euclides Triches, ex-militar.

        Creio que enumerei inúmeros dados que mostram o poder militar nas entranhas do poder.

        Claro que, no caso da Legalidade, tivemos o Exército local como a Brigada Militar do lado da lei. Também uma demonstração que nem sempre a caserna está unida. Como ficou evidente na última tentativa de golpe, orquestrada a partir de Bolsonaro, tendo oposição do Exército e da Aeronáutica.

        Repetindo, nos episódios que vieram à tona recentemente com a tentativa de golpe de 8 de janeiro fica evidenciado o papel golpista dos militares.

        No caso Marielle, foi Braga Neto na intervenção do Rio quem indicou o delegado à chefia de polícia, delegado que agora está preso.

        É claro que houve rejeições, vacilações, dúvidas, o que inviabilizou entre outras razões os golpes tentados pelo bolsonarismo.

        Aí vem novamente a pergunta de onde vem esta força? Sabemos como foi a força dos “coronéis” do cacau, dos senhores de engenho, dos escravizadores, dos cafeicultores, dos donos de grandes empresas. Hoje, sabemos a força do agro, da indústria da construção civil, dos bancos, etc. Sem nunca esquecer a mídia. Lembro aqui a Federação sob Júlio de Castilhos, Chateaubriand, os Marinhos e outros sempre disse o que era verdade, mesmo sendo mentira.

        Na atualidade, o bolsonrismo foi turbinado pela ganância da mídia, parte substantiva da mídia, de segmentos do Judiciário, de certas igrejas pentecostais. Vale lembrar que a Igreja Católica em vários locais se somou aos integralistas, como foi o caso de nosso arcebispo Dom João Becker. Depois dele tivemos o Dom Vicente Scherer, que combatia a reforma agrária de Brizola.

        Logo, não há de se espantar que certos credos pentecostais tenham aderido ao bolsonarismo. Um dos deputados mais à direita do Rio Grande do Sul esteve com os Republicanos para só depois aderir ao PL.

        Nacionalmente fomos a grande vergonha com o vereador de Caxias acusado de racista, que não foi cassado pela Câmara, mas responde processo criminal por suas palavras e atos.

        Tivemos vários casos de racismo nos campos de futebol, desde o caso contra o árbitro Márcio Chagas no Estádio em Bento Gonçalves e agora dois casos recentes nos estádios em Caxias do Sul.

        Nunca se ouviu, nunca se leu, nunca se ouviu uma entrevista de militar das três forças por aqui condenando tais atos. Nunca se ouviu um alto dirigente das PMs e das PCs. A omissão neste caso também existe.

        No caso de Escravidão Contemporânea acontecida em 2023 em Bento Gonçalves vimos que forças policiais e militares estiveram coniventes ou colaboravam com os escravistas.

        Aqui, como no restante do país, foram os militares que deram sustentação aos acampamentos de golpistas celerados.

        Até aqui, não se viu ainda uma investigação acerca do papel do III Exército.

        A perseguição a nós democratas nas redes sociais é brutal. Não são só calúnias e difamações, como também ameaças.

        Não vai parar por aí. Pois assim como os golpistas de 64 ainda hoje tem suas “viúvas” e isto ficou evidente nos tais acampamentos nos quartéis, sem serem incomodados, foi também o que se viu no “Parcão” na capital e noutros locais do Estado.

        O mais aterrador foi a força mostrada pelo bolsonarismo nas estradas, trancando-as, ameaçando pessoas, turbinados com recursos do agronegócio.

        Agora, com a prisão dos mandantes do assassinato de Marielle Franco fica claro o uso do poder do Estado para as políticas contra o povo, para matar, para calar, como foi há 60 anos.

        Eles são e continuam os mesmos.

        Nós, a esquerda esclarecida deste país, temos a obrigação de lutar para que este país tenha Memória, lembrando e mostrando o que foi o golpe de 1964.

        Pela democracia, pela liberdade de expressão, contra todas as formas de autoritarismo.

 

Adeli Sell é professor, escritor, bacharel em Direito, vereador do PT.