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Ao Sul da Fronteira - o romance

O sonho da América sem fronteiras de Artigas, Andresito e outros foi uma utopia. Uma utopia de paz e liberdade.  As fronteiras para nós se passam a "passito", tem chibeiro daqui e dali, neste momento. Muito já se escreveu e muito se peleou ao sul do Continente. Queiramos ou não, havia fronteiras. E ainda há, tanto que o Mercosul é quase ficcional.

Agora, vem o romance inicial de Rogério Brasil Ferrari para nos falar "ao sul da fronteira" nossa, do Uruguai, da Argentina, das ditaduras, para as quais a tortura e a morte nunca. Tiveram fronteiras, diferente das revoluções cisplatinas, narradas por Alfredo Varela. Para matar, torturar, sequestrar não há fronteiras.

Outro romance sobre ditaduras. Em menos de cinco anos temos este, os romances "Nada será como antes", de Andreia Scheffer e o "A Memória é uma folha seca" de Joselma Noal: outros dois textos que falam das ditaduras.

Este trio de textos merece uma atenção especial de nós. Por que, agora, volta a força do texto literário a tratar destes momentos tenebrosos de nossa América sofrida e castigada por milhares de mortos e torturados? O acerto de contas não terminou. As dores de torturas, mortes, desaparecimento, adoções ilegais queimam nossas almas.

Zero é o capítulo pesado que abre este livro. É uma sessão de tortura. Não só os lutadores sociais, conscientes da exploração e da repressão, tem papel de destaque aqui, como na "História como ela é", pois envolveu parentes, amigos, pessoas que não estavam "envolvidas" e muito grave, os filhos roubados de pais e mães torturados e mortos.

E como nos dois outros romances tem o papel da busca, de saber o que se passou. Em todos tem casos de estupros, dores, buscas, encontros, desencontros, medos e muita coragem, como aquela fibra escondida da porto-alegrense Helena que vira Diana ao encontrar Marina que também é Júpiter. Helena é uma mulher desacorçoada com o casamento medíocre com um advogado que viaja, que tem serviço o tempo todo, por isso busca na Internet em chats de encontros algo mais interessante.

É tocada pelo desejo de um homem que depois se vê que é uma mulher, que ganha sua confiança, pois se encontram (e desencontram) em Montevidéu, num momento depois da ditadura, mas no qual tem os grupos bem pagos para continuar escondendo as verdades.

Marina/Júpiter está na iminência de encontrar o fio condutor da filha assassinada de Esperanza e a neta que ninguém sabe onde foi parar.

Mas o encontro na casa do "pai" de Marina - na ausência dela - que Helena num turbilhão de coisas descobre que Marina não é filha daquele "amoroso" juiz que recebeu, na verdade, de presente do capitão Miguel uma menina que sonhava ter; pois a sua filha morrera no parto

As duas mulheres se ligam profundamente, se conhecem, soltam seus amores, vão e se encontrar no mundo, para depois cada qual tomar seu rumo.

O relato da coragem de Helena que nada tinha de militância trazendo documentos escondidos aqui ou ali, mas em especial na volta a Porto Alegre para encontrar um "informante" escroto em Esteio é um dos pontos altos do romance.

Helena, ao final, separada, tocando sua vida, pode adotar a sua Diana.

Há, em vários momentos, tópicos sobre o Tempo e a Finitude que cabe ter nossa atenção.

Uma bela surpresa vinda de um novato no gênero romance ter podido ler seu "Ao Sul da Fronteira", editado pela Besouro Box.

Que Rogério Brasil Ferrari continue e nos apresente no futuro mais um bom texto literário.

 

Adeli Sell é professor, escritor e bacharel em Direito.