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“Tempos ásperos” - Llosa desnuda as ditaduras e a banalidade do mal

Aprendi no meu curso de Letras que há escolas de Literatura, que tem escritores/as com engajamento social, político e ideológico, assim como tem autores que preferem a forma ao conteúdo. Apesar de eu achar que forma e conteúdo andam mais juntos. Aprendi a gostar de Borges, um argentino conservador, com uma colega minha que, sendo argentina, me fez traduzir Borges para entrar no âmago de seus contos. Um gênio da escrita e um grande contador de histórias.

Temos que saber diferenciar conteúdos, alguns são mais conservadores outros mais avançados, se queiram: mais à direita ou mais à esquerda.

Alguém já disse que os romances de Mário Vargas Llosa estão sempre à sua esquerda. Ademais, é preciso se colocar no ambiente cartográfico e temporal das obras.

Não sou conhecedor de Mário Vargas Llosa, por isso vou apenas comentar aqui o livro "Tempos Ásperos". Nele trata, com maestria, os golpes e contragolpes de ditadores nas chamadas republiquetas bananeiras da América Central e o modo como a CIA, a United Fruit, a “Bananeira, com ajuda dos milicos de direita, a maioria, derrubam democracias, matam povos indefesos, torturam, fazem desaparecer pessoas que não tinham a mínima ideia das razões dos massacres. Em Tempos Ásperos, Llosa desnuda a Guatemala dos anos 50, em especial de 1954, quando do golpe militar de Carlos Castillo Armas contra o governo legitimamente eleito do progressista Jacobo Arbenz. A sua narrativa vai chegar pela ação de uma personagem até o governo Trump, numa "entrevista" que esta, Martita, dá a Don Mário, ele mesmo, o autor.

A forma de contar, as técnicas narrativas de Llosa não tem nada de linear. Ele como Padula em “O homem que amava os cachorros” não está preocupado com o tempo do enredo, ele traz nos capítulos elementos de cada personagem importante, com os tempos que se mesclam.

O fulcro são os governos do professor Arévolo, que trata de passagem, mas vai a fundo no governo de Jacobo Arbenz que de comunista não tinha nada, mas o marqueteiro da United Fruit construiu tantas fake news, via a grande mídia americana, dando combustível para o macarthismo reinante no Congresso de então que a CIA teve tudo para destroná-lo e colocar um teleguiado e medíocre em seu lugar, o general Castillo Armas.

A personagem que é uma espécie de “fio de Ariadne” se chama Marta, Martita, que é jogada pelo pai para fora de casa, porque é engravidada por um amigo seu, homem bem mais velho, visto por aquele como um comunista depravado. Obrigada, casa-se; para depois de cinco anos abandoná-lo com o filho e ir tresloucadamente ao Palácio Presidencial para se tornar amante do golpista Armas.

Ao ser assassinado; o matador diz ao amigo dominicano, um personagem essencial, que a tire de casa em meia hora ou vai mandar prendê-la e de fato iria acontecer, já que este assume o governo, até a chegada de Castillo Armas. Ela foge, faz programa de rádio de direita, para defender todos os ditadores possíveis do Continente, fazer campanha contra o perigo soviético, que de real não tinha nada. Ela se torna uma espécie de “por star” da rádio. Mas terá que zarpar do país depois de se negar a ser amante do irmão marionete do General Trujillo.

E seu amigo da CIA, Mike, sabemos depois que a tira do país e a encontramos aos EUA. No final da narrativa, velhinha, lúcida, jogando dados, omitindo informações, mentindo, dá uma entrevista ao autor, “don Mário”, como ela diz.

Tempos Ásperos de Mário Vargas Llosa é lançado no Brasil em 2020, editado pela Alfaguara.

Llosa acabou de completar 85 anos de idade.


ADELI SELL é escritor e consultor